A estrutura explicada

Conhecimento interdisciplinar através das e nas disciplinas

O conhecimento interdisciplinar e nas disciplinas está no centro da estrutura. Como as comunidades internacionais, as disciplinas determinam em grande medida qual conhecimento e de quem é valorizado, e isso, por sua vez, permite ou restringe o escopo do currículo e os entendimentos do currículo em si. Entretanto, a complexidade dos problemas enfrentados pelo mundo e por suas comunidades requer  “perspectivas de definir e resolver problemas que possam atravessar barreiras disciplinares e culturais” (Hudzik 2004,1). Como tal, as abordagens interdisciplinares que “aplicam percepções e perspectivas de mais de uma disciplina convencional na compreensão dos fenômenos sociais” e abordagens interdisciplinares que “envolvem interação real entre as disciplinas convencionais’ (Millar, 2020, np.) produziram soluções holísticas.

Paradigmas emergentes e dominantes

As decisões acerca do currículo não são isentas de valores. Elas geralmente são influenciadas pelos paradigmas dominantes na sociedade, na instituição e na disciplina. No entanto, os paradigmas não são estáticos e os paradigmas mudam (Kuhn, 1962). Quando exemplos dominantes de crenças, práticas, leis, teorias e modos de pensar e visões de mundo considerados óbvios são desafiados por anomalias, novos problemas ou condições de mudança, haverá uma mudança de paradigma (Kuhn, 1962). Seguindo Mestenhauser (1998), a internacionalização do currículo requer que “desafiemos os paradigmas nos quais o currículo se baseia” (p. 21).

O processo de formulação do currículo envolve uma série de escolhas sobre quais conhecimentos e conhecimentos de quem serão incluídos, e quais habilidades e atitudes serão desenvolvidas. Isso geralmente é decidido, por padrão, de acordo com paradigmas dominantes, com pouca ou nenhuma consideração sendo dada a modelos e formas alternativas de praticar uma profissão ou ver o mundo.

Uma parte importante do processo de internacionalização do currículo é pensar além dos paradigmas dominantes, explorar paradigmas emergentes e imaginar novas possibilidades e novas formas de pensar e fazer. Esta é uma tarefa desafiadora para todo o corpo docente e de funcionários. Eles foram socializados na cultura e modo de trabalhar de sua disciplina, ou do departamento ou dos grupos culturais e suas formas de trabalho. Por meio desse processo, eles desenvolveram um senso de identidade e compromisso pessoal com os valores compartilhados e formas associadas de fazer, pensar e ser inseridas nos paradigmas dominantes de sua disciplina e das comunidades de trabalho (Kuhn 1996). Assim, o corpo docente e de funcionários são, eles próprios, culturalmente limitados por seu próprio pensamento e treinamento disciplinar (Becher & Trowler 2002).

Requisitos de prática profissional (local, regional, nacional e global)

A internacionalização do currículo atenta-se para o desenvolvimento do indivíduo como membro social e responsável da sociedade, e sua preparação para o exercício da cidadania (local, regional e global), bem como na vida profissional e prática. Não deve se restringir apenas à capacitação para o desempenho profissional e o atendimento de demandas práticas em um mundo globalizado.

Os requisitos da prática profissional são considerações importantes quando são tomadas decisões sobre o que incluir ou não em um currículo, especialmente quando o curso é acreditado por organismos profissionais externos, em todos os níveis, local, regional, nacional e global.

Requisitos de Cidadania (local, regional, nacional e global)

“Na melhor das hipóteses, a educação internacionalizada trata da promoção do bem-estar do mundo futuro e da resolução de seus problemas mais sérios” (Haigh, 2018, p.3). A formação universitária não consiste apenas na capacitação para as demandas da prática profissional em um mundo globalizado. As responsabilidades morais que acompanham a cidadania local, nacional e global também são considerações importantes ao planejar um currículo internacionalizado. A educação para a cidadania global diz respeito à promoção da harmonia social, tolerância, justiça social e sustentabilidade do habitat global (Haigh, 2018). Todo estudante universitário deve estar ciente dos principais problemas que afligem as sociedades e o mundo. A internacionalização responsável do currículo visa ajudar todos os estudantes a “se tornarem cidadãos ativos deste mundo policultural e ambientalmente desafiado’ (Haig, 2018, p. 7). Cuidar do bem-estar dos lugares em que habitamos, pensando e respondendo local e globalmente a questões próximas e distantes, valorizando a diferença, a diversidade e o Outro, dentro de nossas comunidades e globalmente, é responsabilidade de todos os cidadãos e uma razão fundamental para a internacionalização do currículo.

Aprendizagem do aluno: Resultados e avaliação

Uma consideração importante na formulação do currículo é o que você espera que os alunos sejam capazes de fazer ao final do curso e como graduados. ‘Decisões sobre o que os alunos irão aprender e, em particular, até que ponto os resultados de aprendizagem de uma atividade de ensino se concentrarão no conhecimento, nas habilidades e atitudes internacionais e interculturais são decisões críticas de projeto de currículo’ (Leask 2020, np). ‘A avaliação define o currículo e, para muitos estudantes, as práticas de avaliação terão mais impacto na aprendizagem do que o ensino ( Gibbs, 2006). É importante, portanto, esclarecer aos estudantes quais os níveis de compreensão e desempenho internacional e intercultural serão exigidos deles nas tarefas de avaliação, o mais cedo possível na atividade de ensino” (Leask 2020, np).

Na internacionalização do currículo, o alinhamento construtivo é amplamente aplicado no planejamento e desenvolvimento curricular (Biggs 1996). Os principais elementos de um alinhamento construtivo são:

  • Resultados de aprendizagem pretendidos (também conhecidos como “resultados de aprendizagem” ou, às vezes, “objetivos de aprendizagem”).
  • Avaliação que corresponde aos resultados da aprendizagem e às atividades de aprendizagem, para mostrar evidências de que os resultados da aprendizagem foram alcançados.
  • Atividades (o que você deseja que o aluno seja capaz de fazer e alcançar para atingir os resultados de aprendizagem), recursos de aprendizagem e pedagogia para facilitar a aprendizagem. 

Esses elementos podem então ser usados para planejar avaliações, tarefas e experiências de aprendizagem, em diferentes atividades de ensino e níveis do curso, assegurando-se de que os estudantes recebam feedback regular sobre seu desempenho e sobre como estão progredindo. Em um currículo internacionalizado, é importante fornecer feedback específico e avaliar o desempenho do estudante em relação aos objetivos de aprendizagem internacionais e interculturais, de forma claramente articulada.

Desenvolvimento sistemático de conhecimentos e habilidades em todo o curso para todos os estudantes

O desenvolvimento sistemático de conhecimentos, habilidades e atitudes internacionais e interculturais em um currículo internacionalizado requer um planejamento cuidadoso, colaboração com colegas e coordenação em todo um programa de curso. Para o desenvolvimento de habilidades, como a capacidade linguística e a competência intercultural, pode ser necessário incorporar elementos em uma série de atividades de ensino, em diferentes níveis. Dado que nem todos os estudantes entrarão no curso com as mesmas capacidades, é provável que seja necessária uma série de estratégias para ajudar todos a alcançarem os resultados de aprendizagem desejados ao final do curso. Encontrar maneiras pelas quais os serviços estudantis e o currículo informal podem apoiar o trabalho realizado no currículo formal é uma parte importante da formulação curricular. Mapear onde os conhecimentos, habilidades e atitudes desejados serão desenvolvidos e avaliados no currículo formal é um bom ponto de partida.

Contexto Institucional

As universidades estão sob constante pressão para responder a um vasto leque de forças externas e internas, além de pressões que exigem mudanças nas políticas institucionais, suas prioridades e enfoque. Essas forças incluem os resultados de empregabilidade e a preparação dos estudantes com conhecimentos e habilidades necessárias no mercado de trabalho local e/ou internacional. A missão institucional, o éthos, as políticas e as prioridades em relação a outros assuntos também influenciam o que é possível e as abordagens adotadas para a internacionalização do currículo.

O currículo formal não funciona isoladamente. O currículo informal, as várias atividades extracurriculares e os serviços disponíveis para os estudantes são uma parte importante do contexto em que o currículo formal é executado. Juntos, o currículo formal e o informal definem a experiência total do estudante. Tanto o currículo formal quanto o informal ocorrem dentro do ambiente institucional e são por ele influenciados. Ambos serão, até certo ponto, moldados pela missão e o éthos da universidade. Esses se refletem de várias maneiras nas políticas institucionais (como em declarações de ‘perfil do egresso’), na variedade e no foco das certificações oferecidas (como a disponibilidade de estudo de línguas estrangeiras e o reconhecimento de programas paralelos de experiência global), nas prioridades de financiamento (até que ponto é apoiado o aprendizado em serviços internacionais) e nas oportunidades de desenvolvimento de pessoal.

 

Contexto local

O desenvolvimento das habilidades dos alunos para serem cidadãos locais, éticos e responsáveis, que apreciam as conexões entre o local, o nacional e o global, é um aspecto importante da internacionalização do currículo. O contexto local inclui circunstâncias sociais, culturais, políticas e econômicas. Todas podem oferecer oportunidades e desafios para a internacionalização do currículo. Por exemplo, pode haver oportunidades para os alunos desenvolverem habilidades, conhecimentos e atitudes interculturais facilitadoras por meio do envolvimento com a comunidade local, em sua diversidade.

Os requisitos de credenciamento local para registro em uma profissão escolhida podem exigir um foco aparentemente exclusivo na legislação e política local. No entanto, o contexto local está reciprocamente conectado aos contextos nacionais e globais. Desenvolver a compreensão de todos os estudantes acerca dessas conexões é uma parte importante do processo de desenvolvimento de sua capacidade enquanto cidadãos e profissionais, críticos e reflexivos, capazes de pensar e agir localmente, nacionalmente e globalmente.

Contexto regional

Uma região pode ser definida pela cultura e etnia, pelo idioma, pela religião, ou ainda pelo governo. Ela pode ser governada por leis, regras e regulamentos próprios ou dentro de uma nação. Tal como acontece com os contextos nacional e global, o contexto regional é uma consideração importante ao se engajar na internacionalização do currículo. Questões sociais, políticas, econômicas e ambientais, em nível regional, podem influenciar e moldar o que é possível para a internacionalização do currículo, visto que elas compõem o pano de fundo contra o qual as instituições formulam e promovem políticas. Compreender e projetar um currículo responsivo, assim como preparar os alunos para serem cidadãos éticos e responsáveis em seu contexto regional, é uma consideração central na internacionalização do currículo.

Contexto nacional

Assim como o contexto regional, as questões nacionais e as políticas governamentais relacionadas com a internacionalização também fazem parte desse pano de fundo contra o qual as instituições formulam suas políticas internas, induzindoseu corpo docente a se engajar, ou não, na proposta de internacionalização do currículo. Por exemplo, as políticas relativas à aprendizagem de línguas estrangeiras e ao apoio à mobilidade estudantil, o recrutamento de estudantes internacionais e o grau de ligação das universidades com outras instituições da região influenciarão as abordagens à internacionalização do currículo. Diferentes contextos nacionais e regionais determinarão, até certo ponto, as opções disponíveis.

 

Contexto global

Na sociedade global,  recursos e poder  não são compartilhados igualmente. A globalização está sendo experimentada como discriminatória e opressora em alguns lugares, e benéfica e libertadora em outros, contribuindo para aumentar a distância entre ricos e pobres do mundo, ou ainda para a exploração do “Sul” pelo “Norte”. Essa dominação não é apenas econômica, mas também intelectual. O domínio dos modelos educacionais ocidentais no mundo desenvolvido define o que é conhecimento, quem o aplicará e para que fins. A hegemonia das perspectivas globais do Norte e do Ocidente, importadas para o ensino superior,  cada vez mais tem sido desafiada, assim como a legitimidade de conceitos e abordagens universalizantes provenientes de países da Europa Ocidental e da América, e a aceitação passiva de “verdades globalmente estabelecidas”, nem sempre comprovadas (Cross, Mhlanga & Ojo, 2011, p. 76). A internacionalização do currículo visa alterar essa situação e provocar críticas à entrega de um currículo que apresenta apenas uma visão de mundo – especialmente se essa visão não desafiar a construção neoliberal da globalização e produzir graduados no mundo desenvolvido dominante que, na busca de seus próprios objetivos econômicos, criam desigualdade ainda maior no mundo economicamente menos desenvolvido.

No processo de internacionalização do currículo, é importante considerar o tipo de mundo em que vivemos e o tipo de mundo que queremos para nossos estudantes e para as gerações futuras. As respostas a essas perguntas têm o potencial de impactar o que ensinamos  (qual conhecimento e conhecimento de quem), que tipo de experiências incorporamos ao currículo, os espaços e ambientes de aprendizagem que construímos, as pedagogias que usamos (como ensinamos), e que tipo de resultados de aprendizagem (conhecimentos, habilidades, atitudes, mentalidades e disposições) buscamos nos graduados.