O futuro na ciência é feminino?

Levantamento inédito mapeou as 250 pesquisadoras brasileiras mais influentes no País, cinco delas estão na PUCRS

17/11/2020 - 18h54

Gratidão, paixão, felicidade, motivação, alegria, honra. Essas foram as expressões das cinco mulheres, pesquisadoras da PUCRS, ao saberem que foram reconhecidas pelo projeto Open Box da Ciência, uma iniciativa da organização Gênero e Número, que tem como objetivo dar visibilidade à atuação das mulheres no meio científico nacional.  

Conversamos com elas para saber como avaliam a participação feminina na produção científica no Brasil, quais as mudanças mais marcantes dos últimos anos, o que ainda precisa ser melhorado, e quais são as perspectivas para os próximos anos quanto à ocupação em cargos de liderança.  Confira a entrevista completa com cada uma delas. 

Carla Bonan, pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida 

  • Como foi ser reconhecida nessa iniciativa inédita no Brasil? 
    Fiquei muito feliz e grata por estar neste grupo ao lado de grandes pesquisadoras brasileiras, muitas das quais tive a oportunidade de trabalhar e que tiveram um papel importante na minha formação. Penso que este reconhecimento expressa a trajetória de mais de 20 anos de um grupo de pesquisa que trouxe contribuições científicas pioneiras para a área, estabeleceu muitas parcerias científicas e atuou na formação de profissionais e pesquisadores vinculados a diversas instituições de ensino superior no país.
  • Como você avalia a participação das mulheres na produção científica nacional atualmente?   
    No Brasil, tem se observado um crescimento significativo da presença feminina no número de artigos científicos. Além disso, há um avanço expressivo nas últimas duas décadas no número de mulheres com titulação de doutorado, mas esta participação ainda varia de acordo com a área de conhecimento. Algumas áreas já demonstram um predomínio das mulheres, como nas áreas biomédicas, entretanto é necessário desenvolver estratégias que aumentem a presença das mulheres nas áreas tecnológicas.
  • Quais as mudanças mais marcantes dos últimos anos e o que ainda precisa ser melhorado?  
    Podemos destacar o surgimento de projetos e redes que tem promovido a discussão sobre a presença da mulher na ciência. Esta discussão é importante, pois demonstra para a sociedade o papel das mulheres no desenvolvimento científico no país, mas também os desafios e obstáculos que elas enfrentam para se manterem produtivas no ambiente acadêmico. Entretanto, penso que há ainda um caminho a ser percorrido. Há a necessidade de programas e políticas que estimulem as novas gerações de mulheres para atuação na ciência desde as fases iniciais de formação. Além disso, a divulgação científica tem um papel importante ao demonstrar o trabalho de muitas mulheres inspiradoras que desenvolveram e continuam fazendo ciência de qualidade no nosso país.
  • Apesar das mulheres representarem uma maioria entre os pesquisadores no Brasil, elas não ocupam cargos de liderança na mesma proporção que homens. Quais as perspectivas para os próximos anos quanto a isso?  
    As perspectivas são favoráveis para que haja uma maior presença feminina em cargos de liderança. Com o crescimento da participação das mulheres no meio científico e acadêmico, penso que estas posições serão ocupadas pelas mulheres de forma mais consistente. Certamente, com o tempo, teremos um maior equilíbrio nos cargos, reforçando a ideia de que
    diferentes modos de percepção e características de liderança são positivos para as organizações.

Patrícia Krieger Grossi, professora da Escola de Humanidades 

  • Como foi ser reconhecida nessa iniciativa inédita no Brasil?  
    Na realidade, quando vi que tinha recebido destaque na minha área no Open Box da Ciência, fiquei surpresa e fui verificar do que se tratava essa plataforma. Após conhecer a plataforma e a metodologia de busca das produções das pesquisadoras a partir do levantamento do currículo lattes, foi muito gratificante ter sido reconhecida nessa iniciativa inédita. Isto nos motiva a continuar na construção de conhecimento científico e que seja útil para a sociedade. 
  • Como você avalia a participação das mulheres na produção científica nacional atualmente?   
    As mulheres vêm aumentando sua participação em diferentes áreas da sociedade, mas ainda enfrentam obstáculos, inclusive para sua inserção no mundo da ciência. Um dos obstáculos ainda é a dupla ou tripla jornada de trabalho. A sobrecarga de trabalho das mulheres com as atividades domésticas e cuidados com os filhos, exacerbadas nesse período de pandemia, resulta na diminuição de tempo para dedicar-se para a produção científica. 
  • Quais as mudanças mais marcantes dos últimos anos e o que ainda precisa ser melhorado?   
    Nos últimos anos, tem aumentado a participação das mulheres em todas as áreas de atuação, já que somos a maioria das que ingressam em cursos superiores, porém existem ainda certas áreas que predominam os homens, como as Engenharias, Aeronáutica,
    Física, entre outras, ligadas às áreas das Exatas. Apesar de atualmente vermos as mulheres atuando em todos os espaços socioocupacionais, ainda sofrem desigualdades salariais e menores oportunidades de promoção na carreira e ocupação de cargos de gestão. Estão em menor número de bolsas produtividade, comparadas aos pesquisadores homens. Precisa ser implementado nas Universidades e instituições políticas afirmativas para igualdade de gênero e raça (pois se considerarmos a mulher negra), essa ainda vai vivenciar mais obstáculos frente às desigualdades de gênero e raça na nossa sociedade.  

Uma das mudanças positivas observadas foi a possibilidade de inclusão do período de licença maternidade no currículo lattes da pesquisadora para que não seja avaliado de forma negativa a diminuição da produção acadêmica naquele período. 

  • Apesar das mulheres representarem uma maioria entre os pesquisadores no Brasil, elas não ocupam cargos de liderança na mesma proporção que homens. Quais as perspectivas para os próximos anos quanto a isso?
    As mudanças são lentas e para que ocupem cargos de liderança na mesma proporção que os homens implica a necessidade de transformação das estruturas sociais desiguais evidenciadas na divisão sexual do trabalho e na divisão não igualitária das tarefas domésticas e cuidados com os filhos, com idosos, entre outros. Essa questão está relacionada com os papéis tradicionais de gênero na nossa sociedade que associam o cuidado à figura feminina. Essa feminização do cuidado também influencia na escolha das carreiras profissionais. Carreiras na área das Ciências Exatas não são estimuladas para as meninas desde cedo na escola. Vemos alguns avanços em alguns setores, mas são iniciativas isoladas. Por exemplo, nesse ano, li uma notícia de que pesquisadoras ocupavam 50% do corpo de pesquisadores científicos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, na Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), que coordena os seis Institutos de pesquisa paulista da área e que havia mulheres na liderança de três deles1.  

Através de uma pesquisa realizada por Barros e Mourão (2020), no qual analisaram a produção de pesquisadores do CNPq de 2013 a 2016, verificaram que apesar de não haver diferenças significativas em relação à produção científica de homens e mulheres, os homens representam 63% dos bolsistas produtividade em pesquisa do CNPq e se considerar o nível mais elevado da carreira, que é PQ1A, somente 23% das mulheres atingiram esse nível.   

Não vejo grandes expectativas de mudanças em relação a esse cenário nos próximos anos, considerando que o ranking do Brasil no índice de desenvolvimento de gênero despencou para o 79 lugar entre 166 países segundo a ONU. Esse índice reflete os mesmos indicadores do IDH que avaliam saúde, renda e educação de homens e mulheres. Apesar das mulheres terem nível de escolaridade maior do que os homens, possuem rendimentos 41.5% menores. Essas desigualdades de gênero continuam se refletindo na menor participação das mulheres em cargos de liderança na pesquisa, na política e em outras esferas.  

BARROS, S. C. da V. and MOURÃO, L. Existem diferenças de gênero entre os bolsistas produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)?
[online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed 01 August 2020]. Available from:
https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/05/08/existem-diferencas-de-genero-entre-os-bolsistas-produtividade-do-conselho-nacional-de-desenvolvimento-cientifico-e-tecnologico-cnpq/ 

Maria Martha Campos, professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida 

  • Como foi ser reconhecida nessa iniciativa inédita no Brasil?  
    Sempre é bom ter reconhecimento pelo trabalho realizado, especialmente quando é em alguma coisa que gostamos de fazer. De qualquer forma, a pesquisa é uma paixão muito grande – quando mergulhamos nesse mundo, mesmo sem qualquer tipo de reconhecimento externo, a recompensa pessoal já vale.   
  • Como você avalia a participação das  mulheres  na produção científica nacional atualmente?   
    O número de mulheres na graduação e na pós-graduação tem aumentado muito nos últimos anos. Com isso, o número de artigos científicos tendo mulheres como autoras principais vem crescendo. Mas ainda enfrentamos muitos desafios – há estudos que sugerem que artigos que têm homens como autores principais são aceitos mais facilmente pelas revistas científicas.  
     
  • Quais as mudanças mais marcantes dos últimos anos e o que ainda precisa ser melhorado?   
    Se olharmos para o ano de 1920 e agora para o ano de 2020, certamente é possível observar que as mulheres ganharam muito espaço no mundo acadêmico nos últimos cem anos. Mas isso não foi, e continua não sendo simples. As razões para as diferenças não são claras – mas elas existem. Assim como mencionado anteriormente, ainda são menos trabalhos científicos com mulheres, um percentual menor de financiamentos, menos participação de mulheres em cargos altos nas sociedades científicas.
    Por quê? Responder a essa pergunta é algo complexo – mas precisamos continuar tentando mudar. Transformar o cenário atual envolve uma persistência tranquila – a mesma que fez os números de mulheres nas salas de aula da graduação e pós-graduação aumentarem de forma exponencial. O Programa Mulher e Ciência do CNPq demonstrou que em 2013, apenas 36% das bolsas de produtividade em pesquisa eram destinadas a mulheres. Um artigo publicado pelo Jornal O Globo em 2018 revelou que esses números não mudaram muito nos últimos anos. Isso sugere que a nossa sociedade ainda precisa passar por mudanças que levem mulheres a ocuparem os cargos mais altos da representatividade em pesquisa. Só assim, o cenário pode ser diferente para as novas gerações de pesquisadoras competentes que estamos formando.  
  • Apesar das mulheres representarem uma maioria entre os pesquisadores no Brasil, elas não ocupam cargos de liderança na mesma proporção que homens. Quais as perspectivas para os próximos anos quanto a isso?  
    Isso é muito evidente – eu não tenho dados exatos – mas fica a pergunta: quantas mulheres foram presidentes do CNPq ou da CAPES? Quantas mulheres ocuparam cargos significativos na Academia Brasileira de Ciências? Nos principais congressos científicos, qual a percentagem de mulheres sentadas à mesa de abertura? Basta uma procura rápida no Google para responder essas perguntas – as respostas revelam uma representatividade ínfima para as mulheres.
    Contudo, a mesma busca não traz respostas que justifiquem essas desigualdades – assim como não conseguimos prever quando e como é possível aumentar a participação de mulheres em cargos de liderança científica. Revistas importantes como Science eNature têm dedicado parte dos seus Editoriais para discussões acerca de tais desigualdades na Academia. Não – esse não é um problema exclusivamente brasileiro – mas sim, ainda estamos muito atrasados na discussão sobre essas questões. Aqui cabe citar uma frase atribuída a Marie Curie, uma mulher que recebeu duas vezes o Prêmio Nobel no início do século XX: “O caminho do progresso não é rápido nem fácil” – lento e difícil também será o processo de mudança cultural necessário para reduzir as desigualdades de gênero na pesquisa. 

Iná da Silva dos Santos, professora da Escola de Medicina 

  • Como foi ser reconhecida nessa iniciativa inédita no Brasil? 
    Recebi a notícia com muita alegria e me senti muito honrada por fazer parte de um grupo de pesquisadoras brasileiras, que foi definido por meio de critérios objetivos de produtividade científica. Também me sinto muito grata à organização Gênero e Número que, apoiada pelo Instituto 
    Serrapilheira, teve a iniciativa de prestar esta homenagem às pesquisadoras brasileiras. Tal iniciativa tem uma dimensão que vai ainda além da própria homenagem, porque tem o potencial de sinalizar para homens e mulheres, que o caminha da ciência pode ser trilhado com sucesso, independente do gênero.  
  • Como você avalia a participação das mulheres na produção científica nacional atualmente?  
    Um estudo publicado pela 
    Elsevier,(1) comparando a qualidade e o impacto das pesquisas realizadas em vários países, mostrou que, no Brasil, houve um importante progresso na participação das mulheres no cenário científico. Entre 1996 e 2000, as mulheres representavam 38% dos pesquisadores brasileiros e, entre 2011 e 2015, esta proporção pulou para 49% (um aumento de 29% em duas décadas), indicando que a proporção de pesquisadores homens e mulheres está quantitativamente bem balanceada no país.Por outro lado, há disparidades entre os sexos quanto a métricas bibliográficas. Os homens publicam mais como primeiro autor (que em geral é o pesquisador que liderou o trabalho) e como último autor (em geral o pesquisador mais sênior do grupo) e suas publicações são mais citadas do que as de autoria de mulheres. 
  • Quais as mudanças mais marcantes dos últimos anos e o que ainda precisa ser melhorado?  
    As mudanças mais marcantes são justamente estas que levaram as mulheres brasileiras a ter uma presença cada vez maior no cenário científico nacional e internacional. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica 
    Aplicada,(2) as mulheres hoje representam 54% dos portadores de títulos de doutorado no Brasil, semelhante ao que ocorre em países desenvolvidos (53% nos Estados Unidos, em 2017). A participação feminina depende da área do conhecimento, sendo as mulheres maioria (mais de 60%) em ciências da vida e da saúde. O crescimento verificado nos últimos anos é decorrente da realização de pesquisas em temas cientificamente relevantes e bem conduzidas, que resultam em publicações em revistas nacionais e internacionais qualificadas, submetidas a revisão por pares. Mas, há ainda um longo caminho a ser percorrido, não apenas pelas mulheres, mas pelos pesquisadores brasileiros de modo geral. O impacto da produção científica brasileira no cenário mundial ainda precisa melhorar. O apoio das agências nacionais de fomento à pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as Fundações Estaduais de Apoio a Pesquisa, é fundamental para que as pesquisas brasileiras avancem em volume e qualidade. A pesquisa é essencial para o progresso do país. Em momentos críticos como o que estamos vivendo, fica claro o quanto o país precisa e precisará de ciência, tecnologia e inovação, para se reerguer da crise produzida pela pandemia da COVID-19. 
  • Apesar das mulheres representarem uma maioria entre os pesquisadores no Brasil, elas não ocupam cargos de liderança na mesma proporção que homens. Quais as perspectivas para os próximos anos quanto a isso?
    As mulheres estão muito sub
    representadas nas posições de liderança e senioridade, tanto no setor público quanto no privado, e não apenas no Brasil, este é um fenômeno mundial. Embora o número de mulheres no campo científico tenha aumentado, na área biomédica, por exemplo, as mulheres pesquisadoras, de modo geral, recebem menores salários e são menos frequentemente promovidas a posições de liderança ou contempladas com apoio financeiro para pesquisa do que os homens.No campo da Epidemiologia, por exemplo, embora a representação feminina seja igual ou até maior do que a de homens, há evidências de disparidades de gênero na produção científica, com uma proporção menor de mulheres que publicam artigos científicos como primeiras ou últimas autoras. Além disso, a composição dos conselhos editoriais das principais revistas da área é enviesada no sentido da subrepresentação feminina.Precisamos melhorar muito o equilíbrio entre os gêneros no campo da ciência, tornando a participação da mulher menos discriminatória e mais baseada em méritos. Não há diferença quanto a qualidade das pesquisas realizadas por pesquisadores homens ou mulheres. Ao contrário, as diferenças de perspectivas, que caracterizam os olhares de homens e mulheres em relação a um mesmo problema, enriquecem a ciência.

Quanto às perspectivas para os próximos anos, acho que há novidades no ar, que com o tempo poderão conduzir a correção de alguns vieses.  Em Epidemiologia, por exemplo, há uma proporção maior de mulheres em posições de início de carreira. É possível que essa maior representatividade resulte em um aumento futuro no número de mulheres em posições de liderança na área. Mas isso, só o tempo nos dirá. Por ora, iniciativas como a plataforma Open Box da Ciência têm o grande valor de trazer visibilidade e provocar a reflexão sobre esta importante questão das disparidades entre os gêneros na ciência. 

  1. Elsevier. Gender in the Global Research Landscape, 2017. Available at: elsevier.com/research-intelligence/resource-library/gender-report
  2. De Negri F. Women in Science in Brazil: still invisible? IPEA:  Center for Research on Science, Technology and SocietyLast updated in 06/04/2020 às 9:24 pm 

Gabrielle Bezerra Sales Sarlet, professora da Escola de Direito 

  • Como foi ser reconhecida nessa iniciativa inédita no Brasil? 
    Para mim foi uma grande surpresa. O reconhecimento me encheu de alegria e de vontade de prosseguir em minhas pesquisas para abrir espaços para mulheres e meninas que, assim como eu, lutam pela emancipação feminina. No Brasil, destaca-se essa iniciativa como algo grandioso na luta pela visibilidade do trabalho empreendido na área da ciência por inúmeras mulheres que, em suma, tem sido mantidas nos bastidores em função do machismo e da misoginia. No meu sentir, a divulgação dos nomes de mulheres que estão enfrentando os preconceitos e a discriminação e, dessa forma, empreendendo alianças para fortalecer a produção científica é muito profícua na formação de novos quadros femininos mais atuantes, mais solidários, responsáveis e conscientes. 
  • Como você avalia a participação das mulheres na produção científica nacional atualmente? 
    Creio que estamos em um momento muito delicado, pois há um movimento muito significativo na pauta do dia em que, nós, mulheres, estamos chegando às arenas de poder, mas, no entanto, há um cenário muito tenso de profunda polarização em que se adensam algumas atitudes machistas e misóginas, exigindo muita expertise e, sobretudo, muita firmeza dos grupos que lutam pelos direitos das mulheres.A verdade é que é inconcebível qualquer tipo de retrocesso na forma de exercício de cidadania plena, ou seja, qualquer política que esteja em desacordo com o catálogo de direitos e de garantias constitucionalmente asseguradas, em particular quando se fala das mulheres que, em síntese, têm servido como esteio para a sociedade, vez que o Brasil, segundo dados do IBGE, é um país em que as mães e as avós são as grandes responsáveis pela manutenção das famílias. 

Creio que a despeito de alguma evidente alteração numérica na composição dos quadros na área da academia e da ciência, há muitas dificuldades em se aceitar a mulher como um sujeito de direito no Brasil e, destarte, algumas condições mínimas para a participação da mulher ainda são muito precárias, sobretudo no que toca à mulher que carece de bolsas e de incentivos para prosseguir na formação educacional. 

Não se pode olvidar que há ainda uma enorme dificuldade para aquelas estudantes negras que acabam sofrendo um estigma adicional em função da raça. Pode-se ainda apontar igualmente uma precarização da educação brasileira nesse momento, de modo geral, mais especificamente no que afeta à educação sexual e às noções de auto cuidado nas escolas e nas famílias, comprometendo a saúde de mulheres e de meninas e, desse modo, retardando ou impedindo a sua entrada no mercado de trabalho, na área acadêmica e científica.  

  • Quais as mudanças mais marcantes dos últimos anos e o que ainda precisa ser melhorado?  
    O PROUNI foi o programa que mais atuou sobre a quest
    ão do ensino superior, enfatizando-se na situação das meninas e das mulheres que gostariam de frequentar a Universidade e não tinham condições financeiras para isso. Dito de outro modo, propiciou a diversidade dentro dos campi universitários e, dessa maneira, oportunizou as trocas e o reconhecimento de um contingente populacional que, em regra, não ocupava as salas de aulas e que soube demonstrar uma força incrível. 

Nesse sentido, deve-se destacar as mulheres e as meninas que em razão do PROUNI foram introduzidas em um universo de novas portas de conhecimento e que, desta forma, influenciaram as suas famílias e que geraram muitas riquezas para o Brasil. 

  • Apesar das mulheres representarem uma maioria entre os pesquisadores no Brasil, elas não ocupam cargos de liderança na mesma proporção que homens. Quais as perspectivas para os próximos anos quanto a isso?  
    Importa destacar que essa é uma realidade que tem uma natureza global. De sorte que, em maior ou em menor grau, há um abismo entre a atuação efetiva de homens e de mulheres no que toca à ciência. Contudo, o que se observa é que nos países em que a disparidade é menor há necessariamente um proporcional incremento na qualidade de vida e no IDH, e.g., países como a Finlândia, a Austrália e a Dinamarca.A promoção do protagonismo feminino traduz-se, sem sombra de dúvida, em diversas modalidades de melhorias para a comunidade de modo geral.Em uma estimativa superficial, ou seja, mesmo que a partir de hoje os recursos se tornassem paritários  entre mulheres e homens, dentro e fora das famílias, no investimento em uma formação acadêmica, ainda se levaria em média 50 anos para que a isonomia se materializasse em termos de gênero na ótica da produção de conhecimento científico. 

    Portanto, entendo que urge a priorização de políticas públicas que, de fato, levem a sério as especificidades dos perfis das mulheres que habitam e que vivem situações extremamente distintas nas regiões do Brasil e que promovam, de fato, a participação feminina, orientando-as para o protagonismo, para a responsabilidade e para a solidariedade. Além disso, a visibilidade das diversas formas de violências, as quais as mulheres brasileiras são cotidianamente expostas é, sem sombra de dúvidas, um caminho para que possamos firmar laços de apoio e de reconhecimento mútuo que, em outras palavras, atuam igualmente como um suporte para a autoestima e, para o empoderamento. 

    Finalmente, as campanhas de educação em direitos, sobretudo no que concerne aos direitos humanos tem evidentemente um papel muito relevante na construção de uma sociedade mais acolhedora, mais inclusiva e menos violenta. 

 


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