Tecnologia, informação e empreendedorismo na aula aberta dos 70 anos de Jornalismo da PUCRS

27/04/2022 - 10h30
Nova Era com Andrei Netto

Marinah Nogueira/Famecos/PUCRS

Desde que a mudança na principal alternativa de financiamento do jornalismo teve início, os debates sobre como será o amanhã dos jornalistas e do jornalismo começaram a trazer novos questionamentos ao público, aos profissionais e aos acadêmicos. A redução dos grandes aportes publicitários responsáveis por sustentar produções e empresas jornalísticas trouxe para a área novos desafios e muitas oportunidades. É o que defende o jornalista, cientista social e empreendedor Andrei Netto, criador de uma newstech que pretende transformar o consumo das produções de jornalismo independente.   

Mestre em comunicação pela PUCRS, Andrei criou o projeto Headline, uma plataforma dedicada a reunir as principais produções feitas pelos veículos de comunicação independentes. E foi justamente para falar sobre os desafios das empresas e o cenário das produções jornalísticas que Andrei ministrou a aula de abertura do semestre em comemoração aos 70 anos do Curso de Jornalismo da PUCRS. Com mediação do professor e coordenador do curso, Fábian Chelkanoff, o debate contou ainda com a participação da professora da PUCRS Ana Cecília Bisso Nunes e da aluna do curso de jornalismo Paula Neimann e teve a participação dos atuais estudantes da Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos.  

O jornalista deu início à aula falando sobre as adversidades e as inseguranças enfrentadas pelos novos e futuros profissionais. Porém, Andrei mostrou-se otimista com o que vem pela frente. “Eu acredito que o futuro do jornalismo é brilhante porque ele está intimamente associado ao futuro das sociedades democráticas. Ou a gente abandona de vez o nosso sonho de democracia, de direitos humanos, de liberdade, de igualdade e de prosperidade, ou a gente trata de preservar aquelas instituições, entidades e profissões que são determinantes para o futuro das sociedades democráticas. E o jornalismo é uma delas”, valoriza Andrei.  

 

Nova Era com Andrei Netto

Marinah Nogueira/Famecos/PUCRS

Os obstáculos impostos pelo mercado, aliados à necessidade de encontrar alternativas viáveis de sustentação formam a combinação perfeita para a criação de novas maneiras de fazer jornalismo. Para Andrei, “a crise, no final das contas, é uma crise bem-vinda. Muita gente sofreu, muita gente saiu do mercado de trabalho e infelizmente não vai voltar. Carreiras foram quebradas pela crise. Mas para o jornalismo em si, tem uma coisa melhor sendo gerida agora, sendo criada com a transição digital que já deveria ter sido feita há mais tempo”. 

O que indica que o jornalismo pode dar a volta por cima e superar tais dificuldades? A resposta vem dos exemplos encarados pelo próprio jornalismo, que sempre sobreviveu às transformações sociais, mas também por outras experiências da indústria criativa à qual o jornalismo pertence junto com outras formas de expressão que também são negócios, como a música e o cinema, por exemplo.  

O reposicionamento é fruto do que aconteceu com a comunicação e com o jornalismo nas últimas décadas. “Em resumo, as organizações de mídia diminuíram; os profissionais de jornalismo, muitos deles, perderam os empregos; os desertos de informação cresceram, as fake news se espalharam; a confiança nos veículos de informação, que já não era grande coisa, se erodiu. Ainda por cima, o jornalismo não entendeu as transformações da sociedade contemporânea e permanece essencialmente uma profissão que ainda não é suficientemente inclusiva de todas as temáticas que afloraram, em especial nos últimos 10 anos, como raça e gênero” analisa Andrei. Para ele, o momento é de superação da ideia de que a crise não vai ter fim. “Nos Estados Unidos não é mais esse o centro da discussão. O centro da discussão é o que veio depois (da crise); quem são os novos atores? Quem está crescendo? Como está crescendo? Quais são os modelos de negócio? O que fazer para se tornar visível em um cenário de hiperinformação e concorrencial com as redes sociais?”, avalia o jornalista. 

 

Nova Era com Andrei Netto

Marinah Nogueira/Famecos/PUCRS

 

Quais as alternativas para o jornalismo da segunda década do século? 

Se estamos frente a tantas novas possibilidades, por que ainda enfrentamos tantos processos de desinformação e descrédito dos veículos de notícia? Bom, porque ainda há muito o que fazer. Porém, podemos ver alguns exemplos que estão dando certo em grandes players do universo da comunicação. É o caso do New York Times, que viu suas receitas despencarem, mas que soube se reinventar. “O NYT começou a investir muito fortemente na alternativa do paywall e hoje eles têm 8 milhões de assinantes. Alguns anos atrás nos balanços e projeções do jornal a expectativa era de que no horizonte de 2025 fossem conquistados 3 milhões de assinantes”, destaca Andrei.  

Quando o assunto é monetização, contudo, Andrei ressalta um ponto fundamental: “se compreendeu que o jornalismo não pode ser gratuito, então todo mundo está lançando paywall. Mas, quando todo mundo lança um paywall, isso vira um problema porque ninguém tem a capacidade de pagar todo mundo”. Por isso, é muito importante que os empreendedores, jornalistas e futuros jornalistas tenham em mente que a busca por outras alternativas de financiamento será essencial para a sustentabilidade dos negócios.  

Contudo, identificar os melhores projetos de monetização é apenas uma parte dos desafios que agora fazem parte do novo fazer jornalístico. Para Andrei, a superação das dificuldades do jornalismo atual deve estar baseada em três pilares:  

  • investimento em tecnologia de ponta; 
  • uso de dados; e 
  • aproximação com o público. 

Sobre o uso da tecnologia, Andrei defende que essa pode ser inclusive uma estratégia de financiar a produção jornalística. “Investir em tecnologia de ponta é uma das essências da performance da distribuição de conteúdo hoje. Investindo em tecnologia você também abre outras portas para geração de receita como software as a service, por exemplo, que é prover tecnologia para quem tem menos”, analisa.  

Quanto à utilização de dados, o entendimento de Andrei é de que eles devem estar no centro das decisões estratégicas das empresas de jornalismo, ou seja, precisam ser data driven. “Eu não sou uma pessoa que acredita cegamente nos dados como a panaceia de tudo, mas é fato que você toma melhores decisões quando elas são baseadas em dados e informações. Se você sabe que o seu usuário deixa a página do seu site depois de clicar em um conteúdo e ficar 2 minutos na página e não 10 minutos, que é o tamanho do conteúdo, você sabe exatamente quanto tempo de leitura essa pessoa está tendo e você consegue se reposicionar, adequar o conteúdo às necessidades do usuário” analisa Andrei. Com isso, a produção de conteúdo se torna mais assertiva, evitando que os jornalistas escrevam apenas para eles mesmos. 

 

Nova Era com Andrei Netto

Marinah Nogueira/Famecos/PUCRS

A produção de notícias e demais conteúdos com foco no usuário por si só já é uma maneira de se aproximar do público. Porém, essa estratégia não é a única viável. Há fatores como o uso da geolocalização, por exemplo, que pode segmentar aos usuários aquelas notícias que lhe trarão mais interesse. “Por que o leitor da Folha de S. Paulo em São Paulo e o leitor da Folha de S. Paulo em Porto Alegre recebem o mesmo conteúdo? Por que o leitor de Porto Alegre da Folha não tem um conteúdo específico, que diga respeito à realidade do Rio Grande do Sul se é possível fazer isso?” questiona Andrei. 

Na análise do jornalista, “as empresas precisam investir em tecnologia, em data, em ferramentas de uso de dados para tomada de decisão, elas precisam investir em modelos de geração de receita que sejam múltiplos, não depender de um modelo de geração de receita só. Na minha visão, as empresas de jornalismo hoje elas precisam ser de jornalismo e de tecnologia”. 

A produção de jornalismo independente é realmente uma possibilidade para suprir as lacunas deixadas pelo jornalismo tradicional? 

Encontrar solução para processos tão complexos quanto a perda de credibilidade dos jornais e o surgimento dos desertos de informação não é uma tarefa simples. Porém, algumas iniciativas de produção de jornalismo independente vêm sendo a solução para alguns destes principais problemas.  

Isso fica visível quando analisamos o mapa do jornalismo independente, da Agência Pública. Na última análise da Agência foram identificadas mais de 100 iniciativas de jornalismo independente, o que prova a vitalidade e a força das produções independentes e do jornalismo local.  

“Empresas como o ‘meu Sertões’, que é a iniciativa de um jornalista que trabalha cobrindo questões do sertão baiano e do Nordeste; o Poder 360, que é uma máquina de gerar receita com uma qualidade de conteúdo bastante profissional, chegando ao competir com veículos grandes como a Folha e o Estadão na cobertura de Brasília; o Nexo, que é um fenômeno de qualidade editorial, são veículos que não existiam há 10 anos atrás. Esses veículos, hoje, eles vêm crescendo, e na paisagem do jornalismo daqui a 10 anos, 15 anos, vocês vão ouvir falar cada vez mais desses veículos” defende Andrei.  

Mas, é importante lembrar que existem muitas outras dificuldades para viabilizar a produção de um jornalismo independente que se sustente. E conhecer todos esses desafios é fundamental para saber como superá-los. “As empresas de mídia que estejam fazendo a virada digital precisam encarar as dores do negócio jornalístico”, avalia o jornalista.  

Para Andrei Netto, a baixa escala de produção de conteúdo; a baixa tecnologia; o baixo uso de estratégias baseadas em dados e a vulnerabilidade dos modelos de negócio são os principais empecilhos enfrentados pelos empreendedores do jornalismo.  

Com um cenário bem definido, o momento atual é de suma importância para o futuro da comunicação. Para entender mais sobre o tema, não deixe de conferir a aula na íntegra!  

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