Brasil tem maiores taxas de maus-tratos contra crianças no mundo

Resultado foi apontado por pesquisa da PUCRS

Por: Greice Beckenkamp

12/09/2016 - 10h27
Criança, Abuso, Violência

Foto: Counselling/pixabay.com

O Brasil é o país com as maiores estimativas de maus-tratos contra crianças no mundo. O dado é do estudo The Influence of Geographical and Economic Factors in Estimates of Childhood Abuse and Neglect Using the Childhood Trauma Questionnaire: A Worldwide Meta-Regression Analysis, divulgado na Child Abuse and Neglect, publicação oficial da International Society for the Prevention of Child Abuse and Neglect, vinculada à Organização das Nações Unidas e à Organização Mundial de Saúde (OMS). Foram pesquisados dados de abuso sexual, físico e emocional e negligência física e emocional publicados em cerca de 30 países. “Existe uma relação direta entre o Produto Interno Bruto (PIB) do país analisado e as estimativas de negligência física. Quanto menor o índice econômico, maior a taxa deste tipo de maus-tratos. Apesar do PIB do Brasil não estar entre os mais baixos, o País mostra estimativas muito altas de negligência infantil”, afirma o coordenador do trabalho, professor do Programa de Pós-Graduação em Pediatria e Saúde da Criança e do Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS Rodrigo Grassi-Oliveira. Segundo o pesquisador, a negligência física é caracterizada por atos de abandono da criança, privando-a de alimentos, vestuário e cuidados com a saúde.

Os malefícios futuros para a saúde das crianças que passam por estes tipos de violência são inúmeros, desde um maior risco para doenças mentais e dependência química até doenças metabólicas como diabetes e obesidade. “É preciso haver uma mudança de valores para a sociedade. Se você investir no cuidado parental hoje, futuramente a preocupação e gastos com estes desfechos será menor“, acredita o pesquisador. Para Grassi, o motivo do péssimo resultado registrado no Brasil está na quase ausência de recursos empregados em programas de prevenção da violência contra a criança, além da cultura mais permissiva, que não acredita na gravidade das consequências geradas pela exposição de crianças a situações adversas. Outro motivo é o fato do território ser muito grande, dificultando o controle de recursos financeiros voltados para o tratamento e prevenção de casos de abuso e negligência infantil. O professor ressalta, também, a ineficácia da máquina pública e privada, o número insuficiente de centros de atendimentos às vítimas de violência e a falta de formação adequada na área.

Para ilustrar os resultados, os pesquisadores fizeram um mapa que mostra as estimativas relatadas pelas populações investigadas em cada país. Usando uma escala de cor que ia do vermelho (altas taxas de abuso e negligência), passando pelo amarelo (estimativas moderadas) até o verde (baixos escores) os autores coloriram cada país de acordo com a estimativa de maus-tratos na infância identificada. Na Suécia, por exemplo, as estimativas são reduzidas, assim como em praticamente todos os países da Europa. Já nos Estados Unidos, a cor é a amarela e no Brasil vermelha. Nos resultados encontrados na China, uma surpresa: as taxas de negligência e abuso relatadas são baixas, apesar da OMS identificar o trabalho infantil e a migração como graves problemas. “Acreditamos que a entrevista utilizada para avaliar maus-tratos possa ter inibido muitas pessoas de identificarem situações adversas ocorridas na infância como formas de abuso ou negligência, em virtude dos aspectos culturais. A escala não avalia trabalho infantil e, mesmo que avaliasse, esse poderia não ser interpretado como uma situação abusiva”, afirma. Grassi acredita que os resultados refletem a questão cultural de cada local: “Tudo depende da forma como cada povo educa e cuida de suas crianças”, ressalta.

O pesquisador já trabalha com projetos sobre vitimização infantil há muitos anos e, futuramente, pretende iniciar um diálogo com órgãos governamentais como a Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, visando a discussão desses resultados. Também planeja iniciar outro estudo, em âmbito nacional e utilizando outras medidas, para aprofundar esses dados. Segundo Grassi, a recomendação da OMS é que seja promovida a capacitação de pessoas para trabalhar na área, possibilitando que as políticas públicas sejam efetivamente colocadas em prática por profissionais habilitados para isso. Para isso, coordena na PUCRS o curso de especialização à distância Abordagens da Violência Contra Crianças e Adolescentes. “A nossa expectativa é de qualificar profissionais com diversas formações, em especial pessoas que trabalham em Conselhos Tutelares e Centros de Atendimento Psicossocial”, afirma. A primeira turma tem aulas desde abril.

 

Metodologia da pesquisa

Os pesquisadores tiveram acesso a resultados já publicados em pesquisas que utilizaram o instrumento chamado Childhood Trauma Questionnaire (CTQ), um dos instrumentos mais importantes na avaliação de maus-tratos no mundo. O teste passou por adaptações em vários países, sendo que a versão brasileira foi adaptada por Grassi, podendo ser aplicado em adolescentes e adultos. O CTQ questiona a frequência com que os entrevistados passaram por situações de abuso e negligência até os doze anos de idade. A partir destes dados, o grupo da PUCRS fez a compilação e análise estatísticas dos dados obtidos em todos os países incluídos no estudo.

Captura de tela do Fantástico com o professor Rodrigo Grassi-OliveiraClique aqui para assistir a matéria sobre o tema, com participação do professor Rodrigo Grassi-Oliveira, veiculada no Fantástico deste domingo, 11 de setembro

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