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Leonardo Da Vinci viveu 17 anos em Milão, de 1482 até a invasão francesa em 1499. Foi aqui que ele se transformou no “grande” Da Vinci. Cansado de competir com Michelangelo em Florença, partiu para Milão com seu currículo preparado para encantar o militarista Ludovico, Duque de Milão.
De manhã eu estava avaliando currículos para o edital de Produtividade do CNPq, de tarde, eu estava lendo o currículo de Leonardo, parte do Codice Atlantico, preservado na Biblioteca Ambrosiana. “Todos aqueles que se passam por especialistas em instrumentos de guerra, na realidade não inventaram nada, só replicam máquinas de guerra muito comuns.” “Eu posso construir pontes … uma espécie de canhão … Eu posso construir, silenciosamente, passagens subterrâneas. Eu posso fazer carroças blindadas… Eu posso construir edifícios, tanto públicos quanto privados.” Mas é apenas no final da carta que ele diz: “Eu posso criar esculturas em bronze, mármore ou barro. Além disso, posso pintar tão bem como qualquer outro artista, seja ele quem for.”
Milão é uma cidade de contrastes. Você atravessa o renascimento ultra contemporâneo da CityLife e Porta Nova, a Colonne di San Lorenzo, uma construção Romana do século IV, a impactante Duomo, o maior símbolo da arquitetura gótica da Itália (do mundo?), o Castelo Sforza – um forte medieval intacto, o Cimitero Monumentale, construído em estilo neo-romanesco no século IX, a Centrale, um monumento Art Deco misturado com a arquitetura fascista de Mussolini, e tantos outros lugares que não há espaço para escrever. Milão é uma cidade de contrastes, mas ela é toda misturada. Não existem “fronteiras”, é tudo misturado mesmo e isso a torna uma cidade complexa.
E assim foi meu período como Professor Visitante no Laboratorio di Psicofarmacologia e Psichiatria Molecolare do Dipartimento di Scienze Farmacologiche e Biomolecolari da Università degli Studi di Milano, chefiado pelo Prof. Dr. Marco A. Riva: cheio de contrastes.
O primeiro contraste foi trabalhar na mesma sala do Marco. Lembro que há alguns anos eu estava sublinhando as palestras dele em um importante congresso da minha área e pensando como seria legal trabalhar no seu laboratório e agora, estava ali, sentado de frente para ele e acompanhando todo sua frenética atividade.
O segundo contraste foi me dar conta que com WhatsApp, FaceTime e Skype não existem mais barreiras de distâncias geográficas, restaram somente os fusos horários. Todos os dias trabalhei junto a minha equipe na PUCRS, com minha equipe no Texas e minha equipe aqui.
O terceiro contraste foi com o sistema de fomento italiano. Criticamos tanto o Brasil, mas nosso sistema de fomento à pesquisa ainda é superior ao sistema daqui. A inserção acadêmica como professor é muito mais difícil para o recém doutor italiano que o recém doutor brasileiro. Claro, a Itália tem uma tradição de pesquisa invejável, desde Da Vinci até Camillo Golgi e Rita Levi-Montalcini, mas volto mais satisfeito com nossa política nacional, apesar de todos os cortes e ameaças que temos vivido.
O quarto contraste foi o da cultura e qualidade do alimento. Vou resumir esse contraste com uma única frase: o brasileiro tem pouquíssimos alimentos de qualidade disponíveis no mercado e milênios de cultura e migrações fazem toda a diferença para o modo como a população de um país se organiza.
O quinto e último contraste desse texto diz respeito a uma frase de Da Vinci: “A sabedoria é a filha da experiência” (Codice Forster III). Vim em busca de mais sabedoria, mas trago comigo muito mais experiência.
Rodrigo Grassi de Oliveira é professor na Escola de Medicina da PUCRS e pesquisador no Instituto do Cérebro e atuou como professor visitante na Università degli Studi di Milano, na Itália.