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Paul Auster avalia efeitos da revolução digital no Fronteiras do Pensamento

terça-feira, 18 de junho | 2019

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Foto: Luiz Munhoz

Assim como Nova York é o principal cenário de seus romances, a cidade foi palco da fala do escritor Paul Auster na segunda conferência do Fronteiras do Pensamento 2019. Impossibilitado de viajar ao Brasil por emergência familiar, Auster falou para cerca de mil pessoas, em 17 de junho, por meio de videoconferência, apesar de não ser um grande entusiasta das tecnologias modernas.

Aos 72 anos, o autor norte-americano não tem celular, computador ou e-mail. Assim como Quinn, personagem de Cidade de Vidro (primeira história de A Trilogia de Nova York) a quem emprestou algumas características, Auster escreve seus romances a caneta e, depois de prontos, passa para uma máquina de escrever, sua há 50 anos. Mas não é totalmente avesso às tecnologias, utiliza o iPad que ganhou da esposa para fazer pesquisas na internet.

Por conseguir evitar muitos dos artifícios tecnológicos, Auster não foi seduzido pelo mundo digital e reflete sobre os novos hábitos que a sociedade vem incorporando. “Quando a internet foi lançada, as pessoas ingressaram em uma era de liberdade humana e as consequências negativas disso nunca foram consideradas. O smartphone faz você se sentir o centro do universo, com o mundo na palma das mãos pode ir a qualquer lugar e falar com quiser. Andando por Paris, que é a cidade do romance, onde os casais andam abraçados e se beijando, vi um lindo casal, mas sequer estavam de mãos dadas, estavam cada um olhando para seus celulares. Fiquei deprimindo com aquilo. Nos restaurantes do meu bairro no Brooklyn, nas mesas com grandes famílias, estão todos olhando para o retângulo brilhante em suas mãos. Não conversam mais. Embora a revolução digital tenha efeitos maravilhosos, também tem efeitos ruins e precisamos pensar seriamente no que estamos fazendo antes que percamos o controle”, analisa.

Sua fala, ao longo da noite, foi interrompida algumas vezes por falha na conexão. Ao retornar em uma das ocasiões, Auster não perde a deixa: “Isso prova que as tecnologias digitais ainda têm um caminho a percorrer”, ri.

O poder dos livros

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Foto: Luiz Munhoz

Ao falar da importância da literatura e dos livros, Auster diz que a clareza das narrativas ajuda as pessoas a entender o mundo. Está presente desde a primeira fase de nossas vidas, desde os tempos mais primitivos de uma sociedade. Todo ser humano, afirma, tem necessidade de histórias assim que começam a falar. As crianças são famintas por histórias, pois as levam a outros lugares, ativam a imaginação, permitem que vivam momentos que seriam aterrorizantes no mundo real, enfrentando seus medos em um ambiente seguro. “Livros e historias não podem te ferir e, quando acostumamos com isso, ficamos famintos por histórias. Os livros podem te transportar, mas é preciso estar à altura deles”, comenta.

Para Auster, não importa o formato, se em papel, em tela ou em áudio, ou o estilo, se romances, contos ou até mesmo histórias em quadrinhos, o importante é ler. “Imagine o mundo sem histórias. Você não consegue. Sem historias para nos guiar, para nos trazer um entendimento do que está nossa volta, estamos perdidos. As histórias nos trazem coerência quando lá fora tudo é caos”, reflete.

Círculo mágico

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Foto: Luiz Munhoz

O consagrado escritor revela que leva muito tempo para ter uma boa ideia para um livro, mas não força o processo, espera que aconteça naturalmente, o que pode levar semanas, meses e até anos. Conta que quando está trabalhando em um livro, passa oito horas em seu escritório e se conseguir uma página “decente”, mesmo que incompleta, considera esse um bom dia de trabalho. “Eu geralmente não quero escrever, mas a ideia se torna tão poderosa, que ela me encurrala em um canto e diz ‘você precisa me escrever’. Quando estamos escrevendo, seu cérebro vai em cinco direções diferentes. Escrever romance é como correr uma maratona. É preciso ir devagar e sempre. É preciso saber parar, descansar, não pensar mais nisso até o dia seguinte. Escrever romances é um grande mistério. Eu venho fazendo isso há muitos anos e ainda não entendi completamente”, revela.

Auster escreve para um outro imaginário, alguém que não conhece e nunca conhecerá, um estranho no mundo. E garante que, ao finalizar uma história, ela não pertence mais ao autor, mas aos leitores. “A arte é um presente para outra pessoa. O maravilhoso sobre livros é que que só há uma pessoa fazendo isso naquele momento. Não é uma plateia, é um leitor. O romance é o lugar no mundo onde dois estranhos se encontram em intimidade absoluta. O escritor dá tudo que tem ao leitor e o leitor se abre e recebe isso. Se há uma conexão, é um círculo mágico que se cria”, considera o autor que está trabalhando em um novo livro, ainda sem data de lançamento.

Grande laboratório de experimentação humana

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Foto: Luiz Munhoz

Auster não nasceu em Nova York, mas tem uma forte ligação com a cidade onde mora. Pano de fundo de seus romances, a cidade o encanta pela diversidade de culturas, de idiomas, de pessoas, de religiões, de comidas e pela tolerância. “É claro que há conflitos, mas para que as pessoas possam conviver é preciso ser tolerante, aceitar a alteridade do outro.  Se você quer morar aqui, precisa aceitar que não é o centro do mundo. É um dos grandes laboratórios de experimentação humana e da democracia. Amo Nova York e não tenho intenção de viver em outro lugar. É meu mundo e, ao mesmo tempo, ainda me sinto um pouco como um estrangeiro.”

Sentidos da vida

Sentidos da vida é o tema do Fronteiras do Pensamento em 2019, evento que tem apoio cultural da PUCRS. Ao ser questionando sobre o tema, Auster afirma que aos 72 anos ainda não tem essa resposta e acredita que nunca terá. “Todos se perguntam desde o início dos tempos sobre essas questões. Se alguém disser que sabe responder, talvez não seja bom escutar essa pessoa. Essas grandes perguntas existenciais não nos trazem respostas e sim mais perguntas. E essa é a beleza da vida, continuar se questionando. Cientistas, filósofos, artistas o fazem por meio de seu trabalho. Quanto mais sabemos, quanto mais entendemos, novas perguntas surgem.”

Sobre o escritor

Traduzido para mais de 40 idiomas, Paul Auster tem Nova York como cenário de seus romances. O livro A trilogia de Nova York foi eleito pelo jornal The Guardian como uma das 100 melhores obras de ficção de todos os tempos. É membro da Academia Americana de Artes e Letras, licenciado pela Universidade de Columbia e já recebeu prêmios como Príncipe das Astúrias, Ordem das Artes e das Letras da República Francesa e Prix Médicis. Seu mais recente lançamento, de 2017, é o livro 4321, que foi finalista do Man Booker Prize.

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