Há quatro décadas a PUCRS está presente na Vila Fátima, no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre

CapaFotos: Camila Cunha

Transformando vidas no cotidiano

Projetos e serviços impactam as comunidades e fazem parte da formação dos futuros profissionais

POR ANA PAULA ACAUAN

A PUCRS faz a diferença na vida das comunidades há décadas por meio de serviços e projetos que levam a sua marca de credibilidade e tradição. Os milhares de atendimentos têm um duplo papel social. Ao mesmo tempo em que beneficiam a população em situação de vulnerabilidade, contribuem com a formação dos universitários. Contando com o suporte dos professores, eles vivenciam os desafios da futura profissão a partir das necessidades das pessoas.

Para os estudantes, é uma aprendizagem que serve ao longo da vida. “O contato com a realidade social toca também a dimensão humana do aluno, fundamental na formação”, constata a coordenadora do Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia (Sapp), Roberta Monteiro. A estagiária do Serviço de Assistência Jurídica Gratuita (Sajug) Vitória Garbin, no 10º semestre de Direito, ilustra esse aspecto: “Eu não tinha muita noção do mundo antes de atuar na Vila Fátima. Valorizo mais o que tenho e consigo entender melhor as escolhas dos outros, sem julgamentos e preconceitos”.

Em 2020, serão 40 anos de presença da PUCRS no bairro Bom Jesus, mais especificamente na região que tem em torno de 17 mil habitantes. O Centro de Extensão Universitária Vila Fátima (CEUVF) não se resume a uma unidade básica de saúde (UBS), pois oferece uma gama de especialidades e programas. Passam pelo campo de estágio 33 professores por semestre e em média 550 alunos por semana.

O pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, Ir. Marcelo Bonhemberger, destaca que o CEUVF é um importante elo de integração ensino-serviço-comunidade. “Em toda a sua trajetória, o espaço de saúde contribuiu de forma significativa para a ampliação e qualificação do acesso da população aos serviços de atenção básica e especializada por meio de um cuidado humanizado, promovendo o desenvolvimento da sua autonomia e cidadania.”

Um dos grandes diferencias são as consultas com cardiologista, geriatra, psiquiatra, fisiatra,  pneumologista, pneumologista pediátrico, reumatologista e infectologista. Os pacientes também podem realizar eletrocardiograma com laudo. Nas demais UBS, o paciente precisa ser encaminhado a clínicas e hospitais para esses atendimentos especializados. Completam o rol de serviços Medicina de Família e Comunidade, Pediatria e Ginecologia (que são oferecidos nos postos), Enfermagem, Odontologia, Psicologia, Psicopedagogia, Fisioterapia, Nutrição, Direito e Serviço Social.

MODELO ÚNICO

“O Centro de Extensão Vila Fátima está muito acima da média quando se trata de oferta de serviços”, destaca a coordenadora assistencial e administrativa, enfermeira Celita Fraporti. O coordenador médico, Eder Berg, confirma: “Temos um modelo único no Brasil, combinando as especialidades com a atenção primária. Isso acaba atraindo pessoas de fora do território”.

Desde agosto de 2018, a gestão administrativa/assistencial passou a ser do Hospital São Lucas. A Pró-Reitoria de Extensão é responsável pela área do ensino e extensão, sob a liderança das professoras Valéria Corbellini e Andrea Bandeira. Com a mudança, houve a ampliação do número de atendimentos. Em 2017, foram 27.242. No ano seguinte, saltou para 41.358. Aumentou ainda a participação de algumas disciplinas dos cursos da saúde.

Valéria destaca que passou a ocorrer um acompanhamento maior no ensino e nas atividades de extensão, qualificando a assistência e permitindo que seja feito, por exemplo, um controle de indicadores. Mais adiante, a ideia é fomentar a extensão universitária para que os serviços não dependam exclusivamente do período das aulas. “A comunidade não deve ir apenas em busca de tratamento, mas da prevenção de doenças. Podemos aprimorar as ações de cuidado e contribuir para a sua qualidade de vida.”

PERFIL DOS MORADORES

Uma iniciativa terá impacto positivo no planejamento das futuras ações. Em 2018, o Centro Vila Fátima foi contemplado com um subprojeto do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)/Interprofissionalidade, dos Ministérios da Saúde e da Educação. Seis estudantes de diferentes áreas estão mapeando a população. Contam com preceptores e agentes comunitários de unidades da região para o cadastro de todos os moradores. “Hoje atendemos sob demanda. Ao conhecermos cada realidade, poderemos expandir a oferta para promoção da saúde e definir o modelo assistencial”, enfatiza Andrea, que coordena o PET-Saúde.

O Programa vai até 2021. Uma de suas metas é promover a educação interprofissional. “Uns aprendem com os outros e juntos trabalhamos em benefício do paciente”, destaca a professora.

Outro fato importante foi a participação de profissionais da unidade e professores na capacitação sobre o Acesso Mais Seguro, uma metodologia da Cruz Vermelha internacional que pode ajudar instituições e profissionais a reduzirem os riscos em contextos delicados e inseguros, contribuindo na integração com a rede de atenção à saúde de Porto Alegre.

As próximas metas do CEUVF é fazer contrato com a Secretaria Municipal da Saúde, revitalizar o Conselho Local de Saúde (como espaço de discussão com integrantes da comunidade, serviço e gestão para qualificar as ações) e inserir o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde (Premus/HSL).

Da dengue à participação política

Debate no Grupo de Idosos estimula a cidadania

Enquanto planejavam a festa junina, muitas perguntas vinham à cabeça, mas ninguém do Grupo de Idosos imaginava que o assunto iria tão longe. Começou com uma pergunta do Ir. Joaquim Clotet, que foi reitor da PUCRS de 2004 a 2016 e faz voluntariado na Vila Fátima duas vezes por semana:

– Quais são as orientações para evitar a dengue, já que vem aumentando o número de casos?

A mediadora, nutricionista Andreia Teixeira, falou no controle da proliferação do mosquito Aedes aegypti, o que suscitou vários temas de interesse público: separação do lixo, cuidado com o meio ambiente, importância de uma associação de bairro e da participação política.

Para o encontro seguinte, tinham ficado pautados assuntos não menos polêmicos, como impacto da reforma da previdência e papel do Conselho Tutelar, com a presença da assistente social do Centro Vila Fátima. Duas estagiárias de Nutrição e um de Psicologia acompanham o grupo de idosos.

Uma das integrantes Lucinda Soares Correia, 66 anos, larga “um pouco as coisas em casa” e vai para a Vila Fátima às segundas conversar sobre saúde, comportamento e cotidiano. Às quartas, participa também do grupo sobre diabetes para aprender mais sobre como controlar a doença. Pela primeira vez vai consultar um cardiologista no Centro Vila Fátima, encaminhada pelo clínico.

Para superar as dificuldades de aprendizagem

Mariana Hunger atua com crianças na Vila Fátima

As estagiárias do curso de Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, da Escola de Humanidades, que está na 44ª edição, atendem crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem, supervisionadas por profissionais da área. Neste semestre, 25 alunas se dividem entre o Centro Vila Fátima e três salas na Fundação Irmão José Otão, no Campus da PUCRS. Há outros dez voluntários.

“Muitas vezes, o maior problema está na forma como se ensina. Existe uma padronização, exigindo que todos se encaixem”, afirma a coordenadora da especialização, Bettina Steren dos Santos. Outros casos têm origem na família, em questões afetivas e emocionais. Em situações de déficit de atenção e hiperatividade, são propostas atividades para ajudar na concentração.

A pedagoga Mariana Hunger atua na Vila Fátima. Conta que o trabalho começa com o estabelecimento de vínculo, para então realizarem a hipótese diagnóstica e fazerem a intervenção. Jogos, brinquedos, livros, tampinhas, copos e colheres estão entre os materiais utilizados.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O grupo de pesquisa Processos Motivacionais em Contextos Educativos do Programa de Pós-Graduação em Educação, coordenado por Bettina, mantém o projeto Conexão Universidade-Escolas: Uma janela para o futuro, que oferece oficinas gratuitas de formação a professores de escolas públicas e privadas. A primeira edição, em 2017, começou com gestores de dez instituições que, através do método de Design Thinking, dialogaram sobre qual perfil de professor a sociedade contemporânea precisa. Então o grupo propôs três encontros que visaram aproximar Universidade e escolas e motivar os professores. Trataram de formação pessoal, metodologias ativas e vivências culturais no Museu de Ciências e Tecnologia. Neste ano, a ideia é fazer um trabalho direcionado a uma escola estadual de Porto Alegre.

Esse trabalho não se restringe à região. A Escola de Humanidades vai assessorar na formação de docentes do Instituto Superior Politécnico Sol Nascente, em Angola. O curso tem início em agosto e participam professores da Escola de Humanidades. Professores de Educação, Letras e Filosofia da PUCRS já foram ao país africano ministrar aulas na Especialização em Iniciação Científica e Didática.

Final feliz para Márcia e Eduarda

Um presente de Natal

Toda quarta-feira, o segundo andar do Centro Vila Fátima fica lotado de pessoas, principalmente mulheres, em busca de orientação no Sajug, da Escola de Direito. Em maio, a doméstica Márcia Moraes conseguiu a guarda definitiva de Eduarda, 10 anos. Em 2000, a mãe da menina entregou-a para Márcia: “Toma pra ti de Natal”. “Ela estava atirada, de uma casa para outra”, conta. Passou a criá-la ao lado das três outras filhas.

Quando precisou da autorização do pai biológico para atendimento na Pediatria do Centro Vila Fátima, começou uma saga. Ele entrou na Justiça para ficar com Duda. “Sofri muito, mostrava pra ele as fotos dela em passeios com as irmãs.” Em audiência, os advogados obtiveram um acordo e a guarda definitiva ficou com a autora. “O atendimento do Sajug é maravilhoso”, afirma Márcia. Na Vila Fátima, Duda também faz acompanhamento na Psicopedagogia.

Estágio de Prática Jurídica sob supervisão

ÊXITO EM 90% DAS CAUSAS

O Sajug proporciona aos alunos a realização do Estágio de Prática Jurídica real, através do atendimento jurídico gratuito à comunidade das regiões de competência do Foro Central e do Partenon com rendimento de até dois salários mínimos. A atuação ocorre nas áreas de Família, Cível e Penal (casos de menor potencial ofensivo). “Temos êxito em mais de 90% das causas. Ingressamos na Justiça quando entendemos que há grandes chances de procedência”, afirma a professora Ana Luiza Carvalho Ferreira. São 19 turmas de práticas jurídicas com aulas no Campus (com 18 alunos cada) ou no Centro Vila Fátima (com 16 alunos), orientados por cinco advogados. Segundo o coordenador do Departamento de Prática Jurídica, Flávio Prates, são 300 estagiários e há o dobro de interessados.

De janeiro de 2018 a maio de 2019, foram quase 3 mil atendimentos. O serviço soma 766 processos ativos. Prates informa que no futuro deve começar a área trabalhista.

Mônica Kipper sendo atendida pela aluna Vitória

IMIGRANTES E REFUGIADOS

Dentro do Sajug, existe o Serviço de Assessoria em Direitos Humanos para Imigrantes e Refugiados (Sadhir), que recebe esse público uma vez por semana no Campus. O mais comum é o grupo fazer mutirões, indo até a comunidade migratória e prestando assessoria. Segundo o professor Gustavo de Lima Pereira, responsável pelo Sadhir, as demandas vão além do campo jurídico e o grupo auxilia na confecção de currículos e consegue, mediante parcerias, um valor mais baixo para traduções de reconhecimentos de diplomas. Com a lei de 2017, muitos haitianos recorrem ao serviço visando verificar os pedidos de reunião familiar. Questões de vistos de trabalho também vêm à tona.

Pereira conta que o grupo pretende ainda ir a escolas públicas e privadas oferecer bate-papos sobre direitos humanos, sensibilizando estudantes quanto ao tema migratório e contra preconceitos. Com o curso de Gastronomia, está sendo pensada uma oficina culinária. Em torno de 15 alunos e profissionais fazem parte da iniciativa, de forma voluntária. Em recente seleção, mais de 70 se mostraram interessados, sendo que seis serão escolhidos.

AULAS DE PORTUGUÊS

Esse público conta com aulas de português, promovidas pelo Centro de Pastoral e Solidariedade e Escola de Humanidades. Em 2019, está sendo ofertada a quarta edição, na Paróquia Santa Clara. São 18 alunos: sete haitianos, dez venezuelanos e uma colombiana. Hoje o projeto integra a Rede Solidariedade.

A aluna Vitória Garbin, do 10º semestre, está no segundo estágio na Vila Fátima. Nota que os clientes ficam mais à vontade para falar sobre seus problemas estando na sua realidade. Observa ainda a falta de instrução da maioria e se comove com histórias de vida. “Muitas vezes tive que engolir o choro.”

Por meio do trabalho de Vitória Garbin e seus colegas, orientados pela professora Ana, a cozinheira Mônica Kipper obteve a investigação de paternidade da filha de cinco anos. Hoje o ex-companheiro paga pensão e visita a menina frequentemente.

 

Serviço de Psicologia amplia vagas

Com 45 anos de tradição na assistência à comunidade, o Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia (Sapp), da Escola de Ciências da Saúde, beneficiou 10 mil pessoas em 2018 nas suas diferentes áreas de atuação. São em torno de 70 alunos em estágio curricular e 100 realizando outras práticas no local. A partir deste ano, estão sendo ampliadas as ofertas de vagas, com a contratação de psicólogos como supervisores, além dos professores, o que levará a um aumento no público assistido. “Pretendemos fortalecer nossa presença em frentes da PUCRS, como Vila Fátima e escolas do entorno”, afirma a coordenadora do Sapp, Roberta Monteiro.

Em Psicologia Clínica, são oferecidos acolhimento/triagem, avaliação psicológica/psicodiagnóstico, avaliação neuropsicológica, psicoterapia individual, em grupo e familiar. Além dessa área, o Sapp presta consultoria em Psicologia Social Comunitária (com atendimento no Centro Vila Fátima, envolvendo visitas domiciliares e grupos), Psicologia do Trabalho, Psicologia Jurídica e Psicologia Escolar. Os estagiários atuam em três escolas públicas e no Colégio Marista Vetorello, que atende jovens e adultos para concluírem seus estudos gratuitamente. “São instituições sem acesso à psicologia escolar. Fazemos intervenções em caráter preventivo e sistemático. Em casos individuais, há o acolhimento e a possibilidade de encaminhamento clínico”, afirma a responsável pelo Núcleo de Psicologia Escolar, Renata Dipp. A Psicologia Jurídica envolve atendimentos clínicos e práticas voltadas a questões de violência doméstica e vulnerabilidade social. Uma das atividades é a orientação em sala de espera da Delegacia da Mulher. Todos os serviços são gratuitos, com exceção da orientação profissional.

Laboratório de Sexualidade

Aluna Raphaela Eifler ajudou a criar o Laboratório

Em 2019, o Sapp abriu o Laboratório de Sexualidade, Gênero e Psicanálise. Coordenado pelas professoras e supervisoras de estágio Carolina de Barros Falcão e Luciana Redivo Drehmer, está recrutando pacientes para seu grupo piloto. Pessoas com demandas de sofrimento  psíquico advindas da sexualidade LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers, intersexuais e outros) e que tenham mais de 18 anos podem participar de um espaço de acolhimento.

A estudante Raphaela Eifler, no 9º semestre de Psicologia, conta que o Laboratório surgiu a partir dos questionamentos de supervisoras e estagiários sobre a possibilidade de resgatar conceitos que potencializam a prática da psicanálise nos dias atuais. “A experiência de fazer parte da construção do Laboratório é um divisor de águas no meu futuro exercício profissional, considerando que um sujeito que está em sofrimento é atravessado por diversos fatores biológicos, psicológicos, sociais e espirituais e devemos constantemente reforçar isso como profissionais da saúde.”

Uma rede que muda o futuro

Outra postura que vem sendo incentivada na Universidade é a solidariedade. O professor Altair Martins, da Escola de Humanidades, lecionou no Colégio Marista Rosário e tem filhos no Champagnat. “Via o rosto de Marcelino Champagnat há tempo e, ao ler uma entrevista da escritora Conceição Evaristo, me perguntei o que estava fazendo, como professor, para contribuir com a redução da desigualdade social.” Em conversa com a professora Ana Márcia Martins da Silva, da mesma Escola e ex-professora do Champagnat, tiveram a ideia de criar um curso pré-vestibular e contataram o Centro de Pastoral e Solidariedade.

Então, com amigos e colegas, formaram uma rede que poderá mudar o futuro de jovens e adultos em busca de um novo caminho. Dela, todos participam como voluntários. São professores da PUCRS e de cursinhos, um time de peso para ministrar as aulas, além de alunos de graduação e pós e participantes de atividades da Universidade da Terceira Idade (Unati), como monitores, auxiliando na recepção e no plantão de dúvidas, no final das aulas.

Gleísa Arrojo, no 7º semestre da Licenciatura em Letras/Português, teve um sentimento parecido com o do professor Altair. Ao ler Quarto de despejo, ficou tocada com a situação da família da escritora Carolina Maria de Jesus, sem condições de ascender. “Preciso mudar a minha vida, pensei. Logo apareceu a oportunidade de ajudar nesse projeto”, conta.

A primeira edição começou em maio e vai até novembro, beneficiando 50 estudantes dos Colégios Maristas Ir. Jaime Biazus e Vetorello, Unidades Sociais. Foi escolhido como nome Pré-Vestibular Jovem Montagne, referindo-se ao jovem que recebeu ajuda de Marcelino Champagnat, inspirando o início do Instituto Marista.

As aulas têm formato de cursinho pré-vestibular/Enem. Envolvem as disciplinas de Português/Redação, Literatura/Arte, Inglês/Espanhol, Filosofia, História, Geografia, Matemática, Física, Química e Biologia.

A iniciativa integra a Rede Solidariedade, criada em 2017 para fomentar essa cultura na PUCRS. Para revisar as iniciativas existentes e pensar em novas ações, participam alunos e funcionários. Os projetos estão dentro dos eixos Saúde, Ecologia Integral, Relacionamento, Direitos Humanos e Educação.

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Conexão com o mercado de trabalho

Fotos: Bruno Todeschini

Keterson Silva e Ryan Oliveira, ambos com 14 anos, não têm ideia do seu futuro. Keterson está no 9º ano do Ensino Fundamental, toca violino na Orquestra da Pequena Casa da Criança, onde faz outras atividades no turno inverso ao da escola, e planeja integrar o Jovem Aprendiz. Ryan está na entidade desde os seis anos, cursa o 6º ano nas redondezas e não consegue se enxergar muito além de um campo de futebol. Pensando em jovens como eles, as Escolas de Negócios e Politécnica estão desenvolvendo um projeto com a Pequena Casa para ampliar o acesso ao mercado de trabalho, proporcionando melhores condições de emprego e renda. O Conexus – Conexão Social faz parte do Edital Tecnologia Social do CNPq.

Localizada na Vila Maria da Conceição, no bairro Partenon, a entidade atende a uma população de extrema vulnerabilidade social. A presidente, Ir. Pierina Lorenzoni, diz que os adolescentes estão desanimados e perdidos. “Nossa missão é mostrar o outro lado, abrir espaços para que encontrem o seu caminho.” A entidade oferece capacitação profissional, mas o ingresso no mundo do trabalho é restrito. Mais de 60 participam do Jovem Aprendiz e outros 24, de 14 a 18 anos, integram o Trabalho Educativo e se caracterizam por baixa escolaridade. A coordenadora de Projetos e Aprendizagem da Pequena Casa, Catarina Machado, comenta que os primeiros, quando desligados das empresas vinculadas ao programa, começam uma saga em busca de vagas. “Muitas vezes, eles não têm dinheiro para se deslocarem às entrevistas de emprego, e as negativas afetam sua autoestima.”

Para o mestrando em Administração da PUCRS Marcelo Souza, que teve a iniciativa do Conexus, o projeto vem para interromper esse ciclo e trazer em uma única plataforma esses caminhos físicos, transformando-os em virtuais. “A ligação entre as empresas e os jovens se fará diretamente, através das vagas oferecidas, entrevistas on-line, cursos de capacitação, mentoria e atualização de currículos, entre outras ferramentas.” A ideia é que as empresas deem feedbacks sobre os processos para os que não foram selecionados. Esses terão acesso a uma formação complementar antes de se habilitarem a novas vagas. A base será o Laboratório de Informática da Pequena Casa, com 16 pontos de computador. “Mas o alcance será ilimitado”, destaca Catarina.

A coordenadora, professora da Escola de Negócios Ana Clarissa Santos, lembra que esse é um exemplo de tecnologia social. “Não há registros de um ambiente computacional que exerça a função de provedor de conhecimento e que ao mesmo tempo estimule e viabilize o empreendedorismo, voltado às demandas sociais.”

“Quando comecei a trabalhar aqui, há seis anos, os jovens me diziam: ‘Não quero viver mais do que 20 anos’. Aquilo mexeu muito comigo. Desenvolvemos projetos que dão a eles uma perspectiva de futuro.” Gabriela Castro, psicóloga da Pequena Casa da Criança

190Capa(conexus)O projeto, que começou este ano, se encerrará em junho de 2020. A equipe é ligada ao Grupo de Pesquisa Sustentabilidade e Negócios de Impacto Social da Escola de Negócios, contando com a participação das professoras Maira Petrini e Edimara Luciano e a parceria da Politécnica, com Fabiano Hessel, que é vice-presidente voluntário da Pequena Casa, e César Marcon. Marilaine Becker de Souza está no gerenciamento do projeto e faz MBA na PUCRS.

Ao todo, são disponibilizadas seis bolsas: duas para mestrandos em Administração, uma para o Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação e outras três para alunos do ensino médio e moradores da comunidade atendida, que participam do desenho à execução do projeto. Marcelo vai acompanhar a equipe in loco e se tornou voluntário da Pequena Casa.

Alunos de graduação e de especialização atendem com tutoria de professores

Foto: Camila Cunha

Odontologia: mais de 500 pacientes por dia

A cada dia, o curso de Odontologia atende de 500 a 700 pacientes. São realizados em torno de 65 mil procedimentos/ano. Consultas, diagnósticos, planejamentos e tratamentos são realizados, nas atividades clínicas, por 350 alunos de graduação/dia e 150 de cursos de especialização, todos sob a tutoria de professores. Os valores cobrados estão abaixo do mercado e servem para cobrir o custo do material utilizado. Há cirurgias menores e tratamentos a crianças isentos de pagamento. “Temos interesse em manter a saúde bucal dos baixinhos. Crianças saudáveis serão adultos saudáveis também”, afirma a coordenadora do curso, Angélica Fritscher.

A professora destaca a excelência dos serviços prestados e o grande diferencial na formação dos estudantes. “Eles têm oportunidade de experimentar uma imensa gama de materiais em diferentes técnicas. No 5º ano, percebemos que estão prontos para o mercado de trabalho, pois, como passaram por todas as especialidades, são excelentes generalistas, sabendo atender o paciente como um todo”, sublinha. Os agendamentos para consultas de triagem, que ocorre às segundas e quartas à tarde, são feitos pessoalmente.

 

HSL responde por 10% do SUS no Estado

Responsável por uma parcela considerável do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio Grande do Sul – 10%, o Hospital São Lucas (HSL) realiza procedimentos de alta complexidade e é único em algumas áreas, como cirurgia da epilepsia. Por ano, são 16 mil internações, acima de 2 mil partos, 700 cesáreas, 3 mil cateterismos e angioplastias (exames especializados) e mais de 200 mil consultas ambulatoriais pelo sistema público. Em 2018, mais de mil pacientes estiveram hospitalizados para tratamento contra o câncer. Mensalmente, 570 realizam quimioterapia ambulatorial.

8152De aprendizes a universitários

Thomáz dos Santos, 20 anos, e Kleber Cardoso, 19, cursam Direito. A forma como chegaram à Universidade é diferente de seus colegas. Ambos participaram do Programa Jovem Aprendiz, aproveitaram a oportunidade e foram contratados pela PUCRS. Hoje buscam sua formação no ensino superior, contando com o desconto de funcionários.

Kleber sonha em ser juiz. No dia em que pegou a carteirinha de universitário, deu depoimento para uma nova turma do Jovem Aprendiz. “Enchi meus olhos de lágrimas. Estava superorgulhoso”, conta. Por coincidência, seu primeiro emprego foi na Escola de Direito. “Com a experiência, senti que era o curso que eu realmente queria.” Além das questões profissionais, tinha uma boa relação com os colegas. “Esquecia que era jovem aprendiz pela maneira como era tratado e pela confiança que depositavam em mim.” Ao término da formação de aprendiz, começou a atuar como mediador no Museu de Ciências e Tecnologia.

O único de quatro filhos que terminou o ensino médio e iniciou a faculdade, Thomáz tem como meta ser policial federal ou delegado. Ainda como jovem aprendiz, destacou-se no Centro de Educação Continuada (Educon) e agora está no Setor de Espaços Físicos e Postagens. “Minha vivência foi muito significativa, com grande aprendizado. Saber que trabalharia em um setor que nunca havia selecionado um jovem aprendiz me motivou a me dedicar muito mais.”

O programa começou na PUCRS em julho de 2013 no convênio com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). No ano seguinte, ganhou a parceria do Polo Marista de Formação Tecnológica (Complexo Cesmar), que seleciona os estudantes com vulnerabilidade social e é responsável pela formação teórica. Os jovens são de escolas públicas e do Colégio Marista Ir. Jaime Biazus, moram nos bairros Mario Quintana, Rubem Berta ou em loteamentos próximos ao Cesmar.  Atualmente, a Universidade tem 70 aprendizes, dos quais 40 atuam no Campus, sendo cinco pessoas com deficiência (PCD).

O programa tem duração de um ano. Durante seis meses, eles se dividem em cinco cursos no Polo Marista. No meio ano restante, fazem capacitação prática na Universidade os jovens que participam de formações com ênfase em Administração e TI e do curso Capacitando para a Vida e para as Tecnologias (CVTec), que oportuniza qualificação profissional em rotinas administrativas e formação humana a PCD. “O Cesmar lapida diamantes e nós finalizamos esse processo”, comenta a psicóloga Rafaele Paniagua, da Gerência de Gestão de Pessoas (GePes)/Pró-Reitoria de Administração e Finanças.

O pessoal do Recrutamento e Seleção da GePes fica de olho nos talentos para futuras oportunidades. Dos 150 jovens aprendizes que atuaram na Universidade, 29 foram efetivados até hoje – 24 continuam na Instituição. As contratações são efetivadas para aqueles jovens que já completaram 18 anos e possuem formação e competências adequadas às vagas disponíveis.