“A cultura de competitividade, aliada à falta de apoio institucional, muitas vezes agrava o cenário enfrentado por um novo professor”

EntrevistaFotos: Bruno Todeschini

Sem a pressão da produção científica

Miguel Zabalza estuda e reflete sobre os desafios da docência e da pesquisa na universidade

Por Eduardo Borba

Uma das autoridades mundiais no debate sobre a didática universitária, o professor Miguel Ángel Zabalza Beraza recebe da PUCRS, em outubro, dentro do marco de seus 70 anos de fundação, o título de Doutor Honoris Causa, proposto pela Escola de Humanidades. A honraria, maior reconhecimento acadêmico a uma personalidade por suas contribuições à sociedade, é concedida ao pesquisador que reflete e propõe melhorias constantes ao exercício da docência. Professor de Didática e Organização Escolar da Universidade de Santiago de Compostela, em Galiza (Espanha), é doutor em Psicologia e bacharel em Pedagogia. Também é o principal investigador de mais de 25 projetos de pesquisa, nacionais e internacionais, quase todos coordenando o trabalho de grupos pertencentes a várias universidades espanholas. Seus livros e artigos estão entre os mais citados em áreas como Educação Superior e Psicologia, especialmente no debate sobre a necessidade de equilíbrio entre produção científica e atualização profissional, diversidade, competências docentes e os reflexos dos rankings internacionais na atuação acadêmica.

Sua presença na PUCRS – com a qual soma mais de 20 anos de relacionamento – para ser homenageado com o Doutor Honoris Causa, também será destaque no 10º Congresso Ibero-Americano de Docência Universitária (CIDU), do qual é fundador. Realizado há duas décadas, o evento está pela primeira vez no Brasil, sediado no Campus, de 30 de outubro a 1º de novembro. Com o tema central Envolvimento estudantil na Educação Superior, aborda questões avaliadas como de expressivo interesse na atualidade voltados à aprendizagem e ao ensino. Destacam-se entre as discussões e produções apresentadas, a permanência e a fidelização na educação superior (ES); internacionalização; políticas e gestão da ES; tecnologias digitais; formação discente; currículos e percursos formativos; redes de pesquisa; e diversidade cultural, identidade de gênero e inclusão. Como presidente da Associação Ibero-Americana de Docência Universitária, Miguel Zabalza concedeu entrevista à Revista PUCRS e revelou alguns dos seus projetos em desenvolvimento.

Que desafios o senhor considera mais expressivos no contexto universitário brasileiro, em que a preocupação com a posição de rankings necessita ser acompanhada da produtividade e da qualidade na pesquisa?

Neste ponto, o Brasil não é muito diferente de outros países. Há uma grande pressão para submeter a produção científica dos pesquisadores ao escrutínio e controle. Avaliar o que é feito no campo da pesquisa é necessário, mas desde que respeitadas as condições de produção em que cada área científica está localizada. O problema com a pressão atual é que foram estabelecidos critérios pertinentes para a área de ciências experimentais e/ou técnicas, mas com menos peso para as ciências sociais e humanas. Há muitos problemas criados com a própria natureza dos critérios estabelecidos internacionalmente. Na Espanha, houve uma recente discussão entre os diretores de revistas incluídas nos rankings sobre os indicadores usados, muitos considerados por eles incorretos.

A produtividade e as publicações estariam acima de tudo, então?

No aspecto mais conceitual dessa pressão, há um movimento interessante em torno do pensamento de Stephen Ball contra a performatividade* e a necessidade de controle e avaliação constante de produtos para acreditação acadêmica. Um processo que altera sua identidade, suas prioridades e o significado nos quais estão envolvidos. Não importa mais se o que você faz é valioso, mas que seja publicado em periódicos indexados. Do nosso ponto de vista, como pedagogos e estudiosos do ensino universitário, não podemos deixar de constatar o efeito negativo dessa abordagem na docência, que passa a ficar à margem nas prioridades dos professores. O que é exigido deles e pelo que são valorizados é sua produção visível. Obviamente, para isso eles dedicam seus melhores esforços.

 

Miguel Zabalza

Foto: Bruno Todeschini

Qual o perfil do professor frente a um cenário com tantos dilemas e nenhuma certeza?

Nada do que foi dito antes deve ser interpretado como uma tentativa de diminuir o papel da pesquisa na identidade profissional dos professores. Ser um bom pesquisador é mais um valor para bons professores. Sua maneira de ensinar e dominar o conteúdo pode melhorar muito se ele também for um bom pesquisador. Se partirmos dessa ideia, pesquisar não é o mesmo que ensinar. Mas, as competências para investigar podem melhorar as habilidades de ensino dos professores. Ensinar é, de fato, algo diferente. Requer competências como planejar um ciclo de formação, saber motivar e envolver os alunos, explicar de forma clara e utilizar métodos didáticos eficazes. Além disso, realizar uma boa avaliação, monitorar o processo da aprendizagem e manter uma relação cordial e de apoio com os alunos. Isso extrapola a competência de pesquisador, seja qual for o campo científico investigado. Portanto, o que devemos fazer é enfatizar a importância de resgatar e valorizar as competências próprias de ensinar e que visam melhorar a aprendizagem dos alunos.

Como atender às necessidades e expectativas de jovens professores que ingressam nas universidades num contexto de competitividade e aceleração constante? Como promover o engajamento?

Essa cultura de competitividade, aliada à falta de apoio institucional, muitas vezes agrava o cenário enfrentado por um novo professor. Se um docente ingressar com seus vinte e ou trinta e poucos anos, terá que administrar contextos muito diferentes e exigentes. O familiar (tanto seus pais e, especialmente, no que diz respeito à sua própria família, se tem filhos pequenos); o acadêmico (com exigências múltiplas e imediatas: fazer o mestrado e o doutorado, defender a tese, submeter as primeiras publicações e aparecer no elenco de pesquisadores, ministrar muitas horas de aula em disciplinas complicadas); e o contexto de desenvolvimento científico e pessoal (com a obrigação de melhorar o seu domínio sobre as disciplinas lecionadas, para continuar se aprimorando como docente, adaptando-se melhor ao seu grupo de alunos e aos seus colegas). Não é um momento fácil. As instituições universitárias deveriam prestar atenção especial nos professores novatos e tratá-los com grande cuidado. Eles serão o futuro daquela universidade. Portanto, deveria considerá-los parte fundamental de seu desenvolvimento no médio prazo, criando estratégias institucionais para convertê-los em massa crítica, recurso básico para o cumprimento de sua missão.

O senhor tem desenvolvido trabalhos nesse campo na América Latina, correto?

Atualmente, estou trabalhando com a Universidade Nacional Autônoma de Honduras elaborando um Plano de Formação de Professores. Começamos a partir de uma abordagem semelhante à que acabei de mencionar. No primeiro ano de docência dos novos professores,

a universidade não faz exigências, mas tenta criar um clima amistoso para que todos se sintam à vontade, criem laços entre si, conheçam a instituição e outros colegas. Adaptam-se pouco a pouco. Eles têm que ensinar, é claro, mas fazem isso com a ajuda de mentores, que são professores experientes. É um ano para sentirem os fundamentos da futura profissão com alegria e desfrutando do privilégio de ingressar na carreira docente. Nos quatro anos seguintes, terão a oportunidade de adquirir as competências e ferramentas de ensino e pesquisa que marcarão seu desenvolvimento e o da universidade.

* Performatividade, para o sociólogo britânico Stephen Ball, é vista como tecnologia, cultura e modo de regulação. Já performance ele entende como medida de produtividade e desempenho.