Equipe de Agência Experimental de Engenharia de Software criou o app

Ação SocialFoto: Camila Cunha

Próximos dos futuros pais de coração

Alunos criam aplicativo para aproximar crianças da adoção

POR EDUARDO BORBA

Imagine uma ecografia na qual é possível ver o rosto do seu filho com total nitidez, ouvir a voz e assistir a um vídeo no qual ele fala sobre si. Imaginou? Essa tecnologia existe e está na palma da mão de milhares de futuros pais e mães que integram o Cadastro Nacional de Adoção (CNA). A inovação foi possível por meio de um aplicativo para smartphones desenvolvido na PUCRS.

Professores e estudantes se engajaram para garantir que crianças e adolescentes, residentes em abrigos e casas de passagem, encontrem um lar definitivo e o carinho de quem anseia por tornar real o sonho da maternidade e da paternidade. O nome do app, que incentiva pessoas habilitadas a conhecerem perfis alternativos aos mais procurados para adoção – de zero a três anos –, não poderia ser mais apropriado: Deixa o amor te surpreender.

A criação do aplicativo foi ideia do analista de sistemas Nilson Ayala Queiroz, 57 anos. Ele e a esposa, a arquiteta Karine, 41, são pais adotivos, ou pais de coração, como preferem, de dois meninos: Iuri, 12 anos, e Wesley, 9. Após diversas tentativas de gerar um bebê, por mais de dez anos, o casal ingressou no CNA à espera de um filho de zero a dois anos.

Ao realizar um trabalho voluntário na reforma de um abrigo, em Porto Alegre, Karine conheceu os garotos, à época com quatro e sete anos. Apaixonou-se de imediato, assim como o marido. Desde então, Ayala criou o projeto Pais de Coração, título de um livro seu e de uma página no Facebook que estimula a adoção de crianças maiores de sete anos e de adolescentes. A iniciativa inspirou a criação do app, lançado em agosto, em Porto Alegre.

PROPOSTA ACOLHIDA

Nilson, Karine, Wesley e Iuri (D): família inspirou a criação do app

FOTO: GUSTAVO ROTH / AGÊNCIA PREVIEW

Determinado a pôr sua ideia em prática, Ayala foi auxiliado pela promotora de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do RS, Cinara Braga. Ela indicou a professora Soraia Musse, da Escola Politécnica, que encaminhou o projeto à Agência Experimental de Engenharia de Software e à Apple Developer Academy, sediada no Parque Científico e Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc).

O projeto passou ser coordenado pelo professor Eduardo Arruda, em parceria com o ambiente de pesquisas da empresa norte-americana. “O aplicativo foi realizado por alunos do curso de bacharelado em Engenharia de Software, ao longo de 2017. Na Agência, eles têm contato com clientes e problemas reais e criam soluções”, ressalta Arruda.

Um dos integrantes do time foi Israel Deorce Junior, 25 anos, estudante do 6º semestre. Ele participou do desenvolvimento para a plataforma Android, auxiliou no gerenciamento da equipe, banco de dados e levantamento de requisitos. Além de ter um amigo adotado que ganhou uma nova família ainda bebê, o depoimento de Ayala, idealizador do app, foi fundamental no comprometimento de Israel e dos colegas.

ENGAJAMENTO

“O forte apelo social e humano foi um motivador e despertou um sentimento de dever: ‘preciso concluir o trabalho bem para as crianças encontrarem um lar!’”, destaca o aluno, que já participou de ações sociais, como ensinar idosos a usarem computador. “Somos  Privilegiados pelo conhecimento e habilidades que temos. Meu dever é contribuir com pelo menos um pouco disso em prol da sociedade”, reflete.

Na elaboração do aplicativo, o professor Arruda testemunhou um engajamento dos alunos sem precedentes. “Pela primeira vez, em quase 25 anos de magistério na PUCRS, observei a emoção real sentida ao perceberem o impacto do que estavam fazendo e o quanto aquilo poderia representar para crianças, adolescentes e pais de coração”, expressa o docente.

Promotora Cinara Braga do MP-RS

FOTO: PG ALVES/MPRS

Ação integrada com a Justiça

No desenvolvimento do aplicativo, houve a troca de informações com magistrados e servidores da infância e juventude, da comunicação e da informática do Tribunal de Justiça (TJ) do RS. No final de 2017, a PUCRS entregou a versão inicial. No primeiro semestre deste ano, as áreas de informática e de imprensa do TJ realizaram adaptações, integrações da ferramenta, filmagens, fotos e a identidade visual do app.

O Ministério Público Estadual, que acompanha o processo desde início, fiscaliza as ações dos usuários no acesso à ferramenta e contribui com conteúdo informativo. “Com a participação da academia, a partir da manifestação voluntária da professora Soraia, conseguimos usar o conhecimento da universidade para uma atividade prática. Sou muito grata à PUCRS por ter abraçado o projeto”, enaltece a promotora Cinara Braga, principal articuladora entre os agentes que viabilizaram o aplicativo.

PRIMEIROS RESULTADOS

Dados do TJ-RS mostram que até setembro houve 4.300 downloads. Os primeiros resultados apontam 39 manifestações de interesse em adoção (especialmente para meninas de 12 a 14 anos), sendo que 11 evoluíram para aproximação. Entre os perfis, há muitas duplas e grupos de irmãos e adolescentes. “Dentro do CNA, quem tem acesso via aplicativo não viu essas crianças antes, pois elas não integravam os seus perfis escolhidos. O app apresenta possibilidades diferentes das pretendidas”, destaca a juíza-corregedora Nara Saraiva, responsável pela Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJ-RS.

Com a nova solução, o processo de adoção, do início à obtenção da guarda provisória, pode ser concluído em 45 dias. Mas a juíza ressalva que é preciso conduzir tudo de forma cautelosa e consciente. “Temos a tarefa de evitar devoluções e trabalhar a pós-adoção, dando respaldo aos adotantes. A sentença deve evoluir para algo positivo no final”, analisa Nara.

Da idealização ao amor real

FOTO: CAMILA CUNHA

A administradora Clarice Londero, 39 anos, e o advogado Fernando Arndt, 41, planejavam ter filhos. A primeira gestação não evoluiu. Antes da segunda, também interrompida, iniciaram, em 2015, o processo para se habilitarem à adoção. O perfil: ambos os sexos, sem distinção de cor, saudável e de zero a quatro anos. Em 2017, uma iniciativa mudaria a história do casal. Participaram, a convite do Juizado da Infância e Juventude, do evento Missão Diversão, de brincadeiras e interação promovidas por alunos do Colégio Farroupilha para aproximar crianças e adolescentes de abrigos de habilitados à adoção.

Eles se voluntariaram a auxiliar nas filmagens dos pequenos e dos jovens que hoje estão no aplicativo. E foi ali que o amor os surpreendeu. Conheceram duas irmãs pelas quais se encantaram. O casal correu para atualizar o perfil (as garotas têm 7 e 11 anos). No final de julho, conquistaram a guarda provisória das filhotas. “A vida mudou para melhor. Papai e mamãe são palavras macias aos nossos ouvidos”, conta Clarice.

Mobilização para aproximar

Um livrinho caseiro, quase um diário. Esse foi o embrião do aplicativo Adoção. “Eu escrevia   para o Iuri e o Wesley, registrando nossos momentos em família”, recorda Nilson Ayala   Queiroz. Os amigos, sensibilizados com a história do casal, estimularam a publicação do conteúdo, para partilhar com outras pessoas a importância de conhecer crianças maiores que também desejam um lar. Então, o livro se tornou uma causa. Toda a renda da obra, lançada em 2016, é revertida para abrigos infanto-juvenis.

O pai escritor diz que três pontos impulsionaram o surgimento do app. O primeiro foi a decepção com a frieza do cadastro preenchido no Foro Central. Depois, a experiência de ir conhecer seus filhos. “As fichas com dados não traduzem a emoção que sentimos ao vê-los. Questionava como a tecnologia poderia aproximar crianças para adoção e seus pais? Não existia nada”, lembra. Por fim, conta que, ao buscar seus garotos no abrigo, viu a tristeza nos olhos de um adolescente quando ele percebeu que, novamente, continuaria ali. “Aquilo mexeu demais comigo”, emociona-se.

Ayala credita algumas resistências e preconceitos à falta de informação. “Muitos não se preparam, não conhecem o que é adoção. É preciso respeitar o desejo das pessoas por terem filhos menores, mas também informar a existência dos maiores”, pondera, recomendando literatura especializada, como a da autora e pesquisadora Lidia Weber.

Sobre o Projeto Pais de Coração, Ayala afirma que “o principal objetivo é ajudar a inspirar, a qualificar e acelerar as adoções. O livro é um instrumento de inspiração. O aplicativo é de aceleração”

Cenário da adoção

NO BRASIL*

44.176 pessoas habilitadas no Cadastro Nacional de Adoção
9.035 crianças e jovens aguardam por adoção
68,37% têm sete anos ou mais
8 anos é o tempo de fila previsto para uma criança de zero a três anos

NO RS

5.636 adultos habilitados
636 crianças e jovens aguardam por adoção

Acesso ao app

O aplicativo Deixa o amor te surpreender está na Apple Store e na Google Play. As informações, as fotos e os vídeos das crianças e jovens podem ser acessados por adultos de todo o Brasil que estejam habilitados à adoção no CNA.

Informações sobre como adotar uma criança ou adolescente estão disponíveis na Vara da Infância mais próxima.

* Dados de setembro/2018. Fonte: TJ-RS