Genes envolvidos em eficiência do nervo óptico podem ter vindo do leão

Ciência

Onça e leão cruzaram no passado

PUCRS lidera sequenciamento do genoma do maior felino das Américas

POR ANA PAULA ACAUAN

Com a liderança da PUCRS, foi sequenciado o genoma da onça-pintada, o maior felino das Américas, ameaçado de extinção. Artigo sobre o gênero Panthera, comparando informações genéticas da onça, tigre, leão, leopardo e leopardo-das-neves, foi publicado na revista Science Advances, da American Association for the Advancement of Science. Uma das descobertas é que as diferentes espécies cruzaram quando viviam na mesma região. Com essa hibridização (troca de componentes genéticos e geração de filhotes férteis), a onça parece ter herdado características do leão, a exemplo de dois genes relacionados à formação do nervo óptico, o que provavelmente se tornou vantajoso para a espécie na hora de buscar alimento. Encontraram-se na Europa, Ásia ou América do Norte, onde havia ancestrais de ambos.

Há 4,6 milhões de anos, os cinco grandes felinos tinham um ancestral comum, parecido com a forma atual do leopardo. Uma hipótese para possíveis vantagens da hibridização entre as espécies, segundo o professor Eduardo Eizirik, que lidera o estudo, foi uma redução no risco de extinção no passado, pois elas tendem a perder variabilidade genética com o tempo. “Esses animais não têm um número populacional estável. Como predadores de topo, são suscetíveis a mudanças ambientais, como a diminuição das presas, podendo declinar rapidamente.” Na atualidade, todos estão ameaçados.

Por que a onça tem a mordida mais forte do gênero Panthera, conseguindo comer jacarés e tartarugas, com seus cascos duros? Pesquisadores acreditam que seria uma reação ao desaparecimento em massa, há milhares de anos, das presas usuais – mamíferos de grande porte. Descobriram genes com evidência de seleção natural que mostram adaptação das espécies às novas condições ambientais. “Ela dá o bote por cima da presa, mordendo a nuca, que é mais resistente. Os demais grandes felinos costumam atacar pelo pescoço”, explica o biólogo Henrique Figueiró, primeiro autor do artigo.

“Centenas de genes em cada espécie mudaram mais do que seria esperado ao acaso”, complementa Eizirik. Outro exemplo é o fato de o leopardo-das-neves suportar mais a falta de oxigênio. Ele vive nos Himalaias, a mais alta cadeia montanhosa do mundo, onde fica o Monte Evereste, e no Tibete, na Ásia.

O artigo resulta de um trabalho de cinco anos. Conquistada a verba para o projeto (CNPq, Fapergs e empresa Tetrapak), começou a geração de dados e a busca por colaboradores para analisar partes do genoma. Eizirik reuniu alguns dos eminentes pesquisadores dos EUA, Irlanda, Espanha, Portugal, Rússia e Argentina, além de colegas brasileiros, para analisar a grande quantidade de informações. Três dos felinos tinham o genoma completo. O grupo de William Murphy, da Universidade do Texas, realizou o sequenciamento do leopardo como parte do estudo.

O que é genoma

FOTO: RODRIGO TEIXEIRA/DIVULGAÇÃO

Suas informações equivalem a 3 mil livros de mil páginas, cada uma com mil letras. Cada célula humana tem duas estruturas dessas: uma veio da mãe e a outra, do pai. O sequenciamento fornece dados sobre a evolução da espécie.

Vagalume
O primeiro genoma da onça foi obtido de Vagalume, que vive no Zoológico de Sorocaba (SP). Nascido na região do Pantanal, há 20 anos, e com 94 quilos, foi deixado no local nos anos 2000, porque a mãe morreu.

Destaque no estudo dos mamíferos

FOTO: CAMILA CUNHA

FOTO: CAMILA CUNHA

Quadros com capas de revistas internacionais destacando pesquisas sobre felinos e árvores da história evolutiva dos mamíferos decoram a sala do biólogo Eduardo Eizirik e são uma mostra de sua contribuição à ciência. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq 1C (o grau máximo é 1A), dá aula na Faculdade de Biociências há 13 anos. Tem mestrado pela UFRGS e doutorado pela Universidade de Maryland (EUA). Fez estágio pós-doutoral no Instituto Nacional de Saúde/EUA e na PUCRS.

Atrás do ineditismo

FOTO: CAMILA CUNHA

FOTO: CAMILA CUNHA

Depois do mestrado, o biólogo Henrique Figueiró procurava um foco de estudos e aceitou o desafio de trabalhar nos dados do genoma da onça-pintada. Durante o doutorado em Zoologia, orientado por Eduardo Eizirik, ficou um ano na Universidade da Califórnia (EUA), em contato com grandes cientistas, como o matemático Rasmus Nielsen, um dos líderes mundiais no desenvolvimento de métodos de análise genética.

3815Mapa inédito dos leopardos

Panteras-negras representam 10% da espécie

Um levantamento inédito mostrou onde vive um grande felino predador, nativo da Ásia e da África, que escapa de leões e tigres subindo em árvores. Os leopardos foram mapeados com técnicas de geoprocessamento, revelando que as panteras-negras somam 10% da espécie. Elas têm uma mutação genética responsável por colorir sua pele de preto.

O trabalho foi parte da tese de doutorado de Lucas Gonçalves, defendida no Programa de Pós-Graduação em Zoologia, com orientação do professor Eduardo Eizirik. A revista PLoS One, da Public Library of Science, dos EUA, lançou artigo sobre o tema. A publicação mobilizou 120 pesquisadores de 20 países, que colaboraram com registros (muitos deles de armadilhas fotográficas, que capturam imagens dos animais na natureza). “Foi um árduo trabalho de garimpagem. Muitos têm foco em tigres, leões e guepardos, mas os leopardos aparecem nas fotos ‘por acidente’. E assim vieram centenas de dados”, conta Lucas Gonçalves, que também foi para Austrália, EUA e Reino Unido em busca de coleções científicas. Além dos dois, assinam a publicação Ricardo Machado, da Universidade de Brasília, e nove cientistas dos EUA, Botswana, Tailândia, Irã, Sri Lanka e Malásia.
A partir dessas informações foi feito um primeiro mapeamento da espécie, possibilitando a projeção da sua ocorrência pelos dois continentes, de acordo com as características ambientais. A técnica (chamada de modelagem de nicho) permite que sejam utilizados dados geográficos de bases globais, incluindo informações sobre temperatura, umidade, cobertura vegetal e altitude. “Para avaliar variantes de forma dentro da mesma espécie, como a coloração, essa abordagem nunca tinha sido utilizada”, afirma Eizirik.

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Trajetória na PUCRS

Lucas Gonçalves da Silva fez toda a formação na PUCRS. Na graduação em Ciências Biológicas, foi bolsista de iniciação científica do Laboratório de Tratamento de Imagens e Geoprocessamento, da Geografia. Depois do mestrado em Zoologia, procurou Eduardo Eizirik. “Ele é uma das referências mundiais na sua linha de pesquisa, e, apesar de não ter sido aluno dele, a oportunidade estava na porta ao lado. O mais legal de tudo é que meu doutorado envolveu biogeografia, genética, evolução e mamíferos.” Atualmente é pesquisador na Universidade Federal Rural de Pernambuco.