Deusa Nimba era cultuada por homens em rituais secretos nas florestas

Pelo Rio GrandeFoto: Camila Cunha

Nimba, a deusa da fertilidade

Estátua de arte secular produzida por afrodescendentes no RS é a primeira encontrada no Brasil

Uma escultura em madeira encontrada no início da década de 1980, no Rio Ijuí, em Santo Ângelo, na região das Missões, traz uma nova perspectiva para o estudo da presença de africanos no RS. A peça é a primeira do tipo encontrada no País e teve sua origem confirmada pelo coordenador do Núcleo de Estudos em Cultura Afro-brasileira e Indígena (Neabi) e do Grupo de Pesquisa sobre Arte Sacra Jesuítico-Guarani, Édison Hüttner. Trata-se de uma deusa Nimba, considerada a deusa da fertilidade, e produzida por afrodescendentes que viviam no Estado no século 18.

A descoberta aconteceu por acaso. O comerciante e colecionador Getúlio Lima comprou a estátua de um pescador e a colocou para decorar sua sala. Há dois anos, sabendo das pesquisas de Hüttner sobre arte religiosa missioneira, o procurou para conhecer mais sobre o artefato. O pesquisador propôs uma investigação a partir de duas hipóteses. “Por suas características, pensei que poderia ser africana ou inca”, conta.

RITUAIS RELIGIOSOS

Com 46,4 cm e 3,70 kg, a deusa Nimba – significa alma grande no vocábulo mandê – foi submetida a uma tomografia no Instituto do Cérebro do RS que certificou ser de madeira guajuvira maciça. Com o coordenador do Laboratório de Arqueologia, Klaus Hilbert, e o pesquisador Éder Hüttner, o coordenador do Neabi começou a procurar relatos históricos e comparar a peça com imagens de outras expostas em museus de Paris e Nova York.

Os pesquisadores apontam que a escultura não foi trazida por escravos em navio negreiro, pois não era permitido a eles carregarem objetos. Concluíram que foi produzida por afrodescendentes que conheciam a arte, a escultura e os rituais praticados pelos povos Baga e Nalu, nas Repúblicas da Guiné e da Guiné-Bissau, região oeste da África, desde o século 15.

Édison Hüttner afirma que a descoberta indica a existência de rituais autênticos de religiosidade de afrodescendentes no RS. Acredita que o artefato esteve escondido em algum local para ser cultuado, o que era proibido pelos governantes da época. Na tradição, o culto secreto à Nimba era realizado apenas por homens em rituais na floresta conduzidos por um sacerdote.

“Foi esculpida por um mestre que conhecia os detalhes, a sincronia, o significado e arte de uma deusa Nimba em toda a sua estrutura de talhes, em sua harmônica e estruturante trilogia: cabeça, peito e pernas”, observa Hüttner. A estátua ficou exposta para visitação no saguão da Biblioteca Central da PUCRS entre os meses de setembro e outubro.