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Mulheres Mirabal: uma ocupação, um sonho

Com risco de reintegração de posse, abrigadas podem voltar a viver com agressores ou na rua 

TEXTOS: TERESA MIRANDA E LAURIANE BELMONTE
FOTOS: ROBERTA REQUIA/Alunas da Agência J de
Reportagem da Faculdade de Comunicação Social 

No alto da Rua Duque de Caxias, Centro de Porto Alegre, em uma casa azul de três andares, vivem cerca de 30 pessoas. Entre elas, mulheres vítimas de violência doméstica ou em vulnerabilidade social e seus filhos. O lugar, que oferece muito além de um teto, é a Ocupação Mulheres Mirabal, que desde a noite de 25 de novembro de 2016, quando o prédio foi ocupado pelas militantes do Movimento Olga Benário, transformou-se em um centro de referência para quem, até então, não tinha a quem recorrer.

A casa, de propriedade dos Irmãos Salesianos, estava desocupada havia mais de quatro anos. A ação das mulheres do movimento no RS foi inspirada na Ocupação Tina Martins, que transformou um prédio inabitado, em Belo Horizonte, em habitação para mulheres vítimas de violência, hoje legalizado pelo Estado. Atualmente, a Capital gaúcha conta com apenas um abrigo, com 14 vagas, destinado a vítimas de violência doméstica.

De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, 85,85% dos casos de mulheres em situação de violência correspondem à doméstica e familiar. A questão da moradia surge como consequência. Quando o agressor está na casa da vítima, é fundamental que ela tenha fácil acesso a um abrigo, onde possa encontrar apoio pelo tempo necessário.

Acolhida e risco de desabrigo

Muitas das mulheres que chegam à Ocupação têm acompanhamento psicológico e apoio de advogados. Mas, às vezes, o que elas mais precisam é de um banho quente, de comida, ou de uma noite tranquila de sono. “Nunca sabemos em quais condições vão chegar até nós”, esclarece Natália Jobim, advogada e integrante da comissão de acolhimento. Ela diz que esse olhar humano costuma faltar em muitos locais de atendimento, que geram até constrangimento, desencorajando-as a procurar por ajuda novamente.

Além de abrigo, a Ocupação oferece desde orientação jurídica, aconselhamento psicológico e social até cozinha onde podem produzir alimentos também para geração de renda. Há ainda um brechó com roupas doadas pela comunidade. A renda é revertida para a manutenção da casa.

AMEAÇA

Ao completar seis meses, a Ocupação está sob ameaça de reintegração de posse. Um momento que seria de celebração traz grande tensão diante da incerteza do futuro. A decisão judicial favorável à reintegração de posse foi tomada em março e o prazo para a desocupação voluntária venceu em 20 de maio.

Para Camila Borges, estudante de Ciências Sociais na UFRGS e uma das responsáveis pela Ocupação, o trabalho desenvolvido pela casa não será impedido de continuar. “Se houver mesmo a reintegração de posse, encontraremos outro local. O problema é que, até lá, muitas mulheres que nos procurariam ou que hoje dependem de nós, vão perder muito. Prestamos um serviço que deveria ser oferecido pelo governo”, observa.

De acordo com a militante, mulheres que hoje estão em situação de vulnerabilidade, vivendo nas ruas ou casas de parentes e amigos, vivem fugindo de seus agressores. “Para quem nos procurou, se não estivéssemos aqui, poderia ter acontecido o pior”, afirma Camila.

Novo propósito de vida

A diarista Cláudia Moraes 

Cláudia Moraes chegou à Ocupação em janeiro fugindo da violência no bairro Rubem Berta, um dos mais violentos da Capital. “A gente sofre vários tipos de agressão, principalmente moral, e não se dá conta disso, né?”, observa a diarista, de 43 anos. Ela se diz uma mulher de sorte por nunca ter sofrido agressão física dos antigos companheiros, mas reconhece que a banalização da violência contra a mulher faz parte do cotidiano nas comunidades mais pobres.

Cláudia viu sua vida ser transformada quando se tornou moradora da Ocupação Mirabal. Muito mais do que uma casa para viver longe do tráfico de drogas e dos tiroteios diários, descobriu ali o verdadeiro propósito de sua vida. “Aqui a gente aprende a viver com outra realidade. Tem tolerância e respeito. Quero ajudar outras mulheres”, completa. Hoje ela faz parte do movimento como militante e é uma das responsáveis pelo acolhimento na Mirabal.
Mãe de quatro filhos, viver hoje longe do bairro Rubem Berta traz uma tranquilidade que nunca sentiu antes. O filho mais velho, de 22 anos, é gay e sofria violência verbal na antiga comunidade. “Faltava tolerância, compaixão mesmo. Aqui ele encontrou apoio na parte do movimento que defende a comunidade LGBT.”

A tensão é grande na espera pela intervenção da Brigada Militar para a reintegração de posse do prédio. “Mesmo que nos tirem daqui, não vamos desistir desse projeto”, reforça Cláudia. Até o fechamento da reportagem, a ocupação Mirabal ainda operava na Rua Duque de Caxias, 380.