Substância sintetizada em laboratório é testada em isolados de Acinetobacter

PesquisaFotos: Bruno Todeschini

Composto inibe superbactéria

Moléculas semelhantes ao resveratrol se mostram eficazes contra Acinetobacter baumannii

POR ANA PAULA ACAUAN

Moléculas semelhantes ao resveratrol podem ser uma esperança para combater uma  superbactéria resistente a antibióticos. Estudos pelo mundo mostram que a substância presente na uva preta e no vinho tinto tem efeito bactericida e antioxidante (impedindo a ação danosa de radicais livres, substâncias tóxicas produzidas pelo corpo). Segundo pesquisa realizada na PUCRS, a molécula também se mostra eficaz contra micro-organismos do gênero Acinetobacter, especialmente o Acinetobacter baumannii – um dos principais agentes de infecções associadas à assistência em saúde, atingindo principalmente pacientes internados em UTIs.

A professora Sílvia Dias de Oliveira, do curso de Ciências Biológicas, tem vários estudos sobre essa bactéria, enquanto André Arigony Souto, da Química, sintetiza diferentes moléculas equivalentes ao resveratrol. Os dois pesquisadores resolveram unir esforços e estão testando, desde 2014, compostos sintéticos (sintetizados em laboratório) em isolados de Acinetobacter.

Combinação com fármacos existentes

Os experimentos evidenciaram que, em uma determinada concentração, um dos análogos de resveratrol consegue inibir o crescimento do Acinetobacter baumannii. Depois foi feita a associação com fármacos usados nos tratamentos contra infecções. “Quando combinamos o composto, conseguimos diminuir a concentração dos medicamentos. Em alguns casos, até revertendo a resistência a aquele fármaco”, explica Sílvia. Ou seja, mesmo os isolados que se adaptam aos efeitos dos antimicrobianos, tornam-se suscetíveis a eles quando associados com a molécula semelhante ao resveratrol.

Os resultados foram excelentes com a polimixina B, um antibiótico muito antigo e altamente tóxico (afetando principalmente os rins). Voltou a ser alternativa nos últimos anos por causa da falta de fármacos modernos que combatessem o Acinetobacter. E o pior: começaram a aparecer descrições de resistência à própria polimixina B, exigindo investigação de alternativas.

A equipe também investigou o antimicrobiano tobramicina porque pode ser inalado. “Como o Acinetobacter causa infecções associadas ao trato respiratório, elegemos esse alvo para testes, imaginando um uso futuro”, explica Sílvia.

Para determinar o efeito potencial dos antimicrobianos, os testes foram repetidos à exaustão. Alguns isolados de bactérias chegaram a passar por análises até 50 vezes. Múltiplos fatores podem alterar o resultado. A reação muda conforme o isolado do micro-organismo estudado. O detalhe chega a tal ponto que investigaram se é melhor associar o composto e o fármaco ao mesmo tempo ou com intervalo de horas. Comprovaram a primeira hipótese.

Novas pesquisas tentarão desvendar o mecanismo de ação do composto. Muitas bactérias internalizam o antimicrobiano e o colocam para fora, reduzindo sua concentração para permanecerem em atividade. “Imaginamos que a substância inibe esse fluxo, fazendo com que o fármaco se concentre, favorecendo sua chegada ao alvo”, elucida a professora.

Possibilidades futuras

A próxima etapa, que compreende testes em animais, depende de investimento, para análise da toxicidade e da atividade. Em células, o produto não se mostrou danoso. “É barato de sintetizar e daria para fazer a transição para uma escala maior”, garante Arigony. No laboratório, chegou a fabricar 20 gramas. O processo continuou o mesmo, assim como o grau de pureza. “Se funcionar num modelo in vivo e uma indústria se interessar, mostramos que não há dificuldade de obtê-lo”, complementa.

A Biozeus, empresa que visa ao desenvolvimento de novos fármacos, através de parcerias com o setor farmacêutico e instituições de pesquisa, deu uma consultoria à Universidade sobre a proposta. Em setembro, promoveu um workshop na PUCRS com pesquisadores para avaliar estudos com potencial de financiamento.

Participação de alunos de Iniciação Científica

A estudante de Química Natália: entusiasmo para desenvolver um novo fármaco

Financiado pelo edital Praias – Programa de Apoio à Integração entre Áreas, da Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento, o projeto conta com dois alunos de iniciação científica, além de recursos para a compra de insumos. Os estudantes conduzem os experimentos e aprendem um pouco da área um do outro. Já participaram três duplas.

“Que ganho tem um aluno vendo uma sistemática diferente! Vê que a ciência é integrada, sai das caixinhas. Em outras situações, pode se dar conta de variadas possibilidades”, destaca Arigony. Natália Cézar, 21 anos, no 5º semestre do curso de Química, confirma. “Fazer parte de um projeto de pesquisa me proporciona uma vivência científica maravilhosa, pois posso pôr em prática os conhecimentos construídos na graduação, bem como adquirir novos, não somente  relacionados à química, mas também à biologia, pois trabalhamos com frequência de forma interdisciplinar.” Para ela, o mais interessante é participar de um projeto que visa ao desenvolvimento de um fármaco. “Talvez possa ajudar muitas pessoas. E a base disso são as pesquisas e ensaios feitos por nós nos laboratórios.” Marina Monteiro, aluna de Farmácia, também atua no projeto.

No topo da lista da OMS

Pela primeira vez, em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma lista de bactérias que são resistentes a antibióticos, o que exige pesquisas de novos medicamentos. Doze famílias de agentes patogênicos estão incluídas no documento. Na primeira das três categorias de urgência definidas pela lista da OMS estão bactérias dos gêneros Acinetobacter, Pseudomonas e Enterobacteriaceae, como Klebsiella, Escherichia coli, Serratia e Proteus. Podem causar problemas de saúde graves e frequentemente fatais, como infecções da corrente sanguínea e pneumonia. Além de novos medicamentos, outras medidas são fundamentais, como a prevenção de infecções e o uso adequado de antibióticos existentes.

Fonte: ONU

Os pesquisadores do projeto

Em busca de impacto social

185Pesquisa(Foto4)André Arigony Souto é inventor de sete patentes, algumas concedidas no exterior. Uma delas chegou a ser licenciada pela Eurofarma e, depois de incluir testes com animais, está à espera de decisão da empresa. “Desenvolver um fármaco é difícil, pois exige alto investimento para uma chance baixa de sucesso”, afirma, citando ainda o rigor da Agência de Vigilância Sanitária. Mas não desiste de buscar, através da pesquisa, produtos com impacto na sociedade. A partir da síntese das moléculas semelhantes ao resveratrol, desenha compostos para combater doenças. Acredita tanto nos resultados que ele mesmo consome a substância. Tudo começou porque queria entender o motivo de os franceses, mesmo com uma dieta rica em gorduras, apresentarem baixa incidência de problemas cardiovasculares. O consumo de vinho seria parte da explicação.

Doutor em Química pela Universidade Complutense de Madri (Espanha), com mestrado e graduação na área feitos na PUCRS, credita seu empenho nesse tipo de estudo à política da Universidade de incentivo à transferência de tecnologia. Leciona na PUCRS desde 1998.

 

Um passo além

185Pesquisa(Foto3)Com graduação, mestrado e doutorado em Medicina Veterinária pela UFRGS, Sílvia Dias de Oliveira tem experiência em microbiologia. Estuda organismos que afetam a saúde dos animais e dos seres humanos. Fez dissertação e tese sobre a Salmonella. Está na PUCRS desde 2002, quando começou a trabalhar com foco em assistência em saúde. Passou a caracterizar a resistência de isolados de bactérias do Hospital São Lucas e chegou à Acinetobacter, de alta incidência não somente em Porto Alegre, mas no mundo. “Vivemos um caos, com alertas frequentes da Organização Mundial da Saúde sobre a resistência a antimicrobianos, e resolvemos buscar alternativas.”

É inventora de um método para detecção e quantificação de bacilos no leite, com depósito de patente em análise pelo INPI. O projeto foi feito com o professor Carlos Alexandre Ferreira, também do Laboratório de Imunologia e Microbiologia, da Biociências, e com a egressa do Pós em Biologia Celular e Molecular, Fernanda Cattani.

Concessão de patente

O projeto aguarda publicação e exame por parte do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para concessão de patente, o que protegerá a tecnologia durante 20 anos. A carta-patente dada pelo INPI reconhece que a invenção atingiu três requisitos: novidade (analisada mundialmente até a data do pedido), atividade inventiva (fugindo da obviedade) e aplicação industrial. Também foi pedido o registro internacional por meio do The Patent Cooperation Treat.

Fonte: Escritório de Transferência de Tecnologia da PUCRS