Bolsa Lagoa dos Patos: o carro-chefe das artesãs

Jornalismo Lab

Cai na rede é bolsa

Mulheres da colônia Z-3, em Pelotas, transformam tédio em brincos, chapéus, colares e bolsas a partir de redes de pesca de camarão e escamas de peixe

TEXTO: AMANDA ZARTH, ISABELLA MÉRCIO E JÚLIA KRENTKOSKI/ Agência J de Reportagem do curso de Jornalismo FOTOS: AMANDA ZARTH E ISABELLA MÉRCIO

Pescaria lembra peixe. Lembra pescadores, redes e varas de pescar. Faz lembrar barcos, anzóis, iscas, lagoas e rios. Mas quem diria que pescaria poderia lembrar brincos? Colares? Bolsas? Echarpes, chapéus, carteiras, almofadas…? Esses são os produtos feitos pelas redeiras, grupo de artesãs da Colônia Z-3 de Pelotas, com restos de materiais da pesca local.

Cada rede de pescar camarão é usada pelo pescador por mais ou menos cinco safras, período no qual ela fica na água e no sol por várias horas, sofrendo desgaste e danos. Quando chegam em um  estado que não vale mais a pena serem consertadas, Jair Soares, 48 anos, e outros pescadores da região jogam as redes nos fundos da casa, na rua ou até mesmo na beira da praia. Assim, por muitos anos, ao passear pela Colônia, era possível encontrá-las enroscadas, lonas descartadas pelo caminho e couro e escamas dos peixes jogados no lixo. Mas o cenário mudou quando sua esposa, Karine Soares, 43 anos, e outras mulheres da Colônia resolveram recolher esses restos.

A partir da iniciativa delas, depois de coletadas e limpas, as redes se transformam em bolsas charmosas, carteiras e necessaires, tecidas no tear.

O couro dos peixes da região, como corvina, tainha, cascuda e linguado, vira tecido para bolsas criativas, chaveiros e detalhes de outros acessórios e as escamas de peixe se tornam delicadas biojoias: colares, pulseiras e brincos que misturam escamas e prata, aliando criatividade à elegância. A produção não é fácil. Para poderem utilizar o material, Karine e suas colegas primeiro precisam limpá-lo. “Às vezes leva mais de um mês para deixar a rede limpa”, explica.

As últimas safras de pesca de camarão foram ruins por causa da chuva, e o descarte de redes diminuiu. Assim, surgiu uma escassez de material que levou as redeiras a buscarem uma parceria com o Ibama. Elas pediram para utilizar em seu artesanato as redes que foram apreendidas e iriam ser queimadas. Além das artesãs receberem material para produção de seus acessórios, esse acordo foi uma oportunidade do instituto reutilizar as redes recolhidas pelo País em uma ação que ajuda o meio ambiente.

Ibama é parceiro

O apoio do Ibama foi imediato, tanto que já doaram para as artesãs várias peças que não seriam mais usadas. Em 2015, foram mais de oito quilômetros de redes reaproveitadas. Hoje, o Ibama é o principal fornecedor dos materiais que as redeiras usam em seus produtos. Após acordo de que elas não iriam deixar esses materiais velhos voltarem a ser utilizados para pesca, ganharam apoio e incentivo para irem mais longe. A demanda pelos produtos aumentou, assim como o trabalho das nove mulheres da comunidade.

Entretanto, o primeiro ano sem a safra de camarão chegou. Em seguida, o segundo. O terceiro. O trabalho delas começou a ser o responsável por pagar as contas, e esse foi o cenário em 2016. O que começou como um hobby se transformou em um grande negócio. O que era resto de material poluente hoje significa renda e trabalho. O que era lixo se transformou em moda sustentável. O que era passatempo se tornou a principal renda de nove famílias da Z-3. Vizinhas, amigas e primas se tornaram as redeiras de Pelotas.

Elas mudaram a fonte de renda

Escamas e couro de peixe são matéria-prima

Em meio às vielas da Colônia Z-3, está uma casa amarela onde vive Mariângela Motta Lima, mais conhecida como Zuca, 58, que cede o espaço para o encontro com as outras oito redeiras. A unha da mão laranja denuncia o uso de produto para inflamação, certamente aplicado para curar algum acidente de trabalho. As demais unhas, do pé e da mão, são pintadas e bem cuidadas. Assim se comporta a maioria das artesãs do grupo. Mulheres de pescadores que dependiam da safra de camarão e da pesca para sobreviver. Ajudavam os maridos no que podiam, mas acabavam sentindo falta de uma atividade.

Ao constatar esse comportamento, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater-RS) iniciou uma oficina de artesanato na colônia. A oficina mudou a vida daquelas mulheres. Quem não sabia como segurar uma agulha acabou costurando. Quem já tinha alguma afinidade, apaixonou-se. Assim se deu o início da associação Pescando Arte, que mais tarde se transformou no que são hoje as redeiras. O grupo iniciou o trabalho utilizando escamas e couro de peixe, mas logo começou a criar os produtos com o material que as deixariam conhecidas pelo Brasil inteiro, a rede de pesca.