Fusão nuclear: a energia do “futuro”

O uso da energia nuclear para geração de eletricidade ocorre desde os anos 1940. A primeira usina nuclear a acionar uma lâmpada, o que aconteceu em 3 de setembro de 1948, situava-se em Oak Ridge, no Tennessee (Estados Unidos). Já a primeira usina nuclear a gerar energia conectada à rede elétrica, em 27 de junho 1954, localizava-se em Obninsk (União Soviética*). Atualmente existem 440 reatores nucleares em atividade, distribuídos em 50 países ao redor do globo. Todos eles produzem energia através do processo de fissão nuclear. No entanto, a fissão não é a única forma de obtenção da energia nuclear. Há também o processo de fusão nuclear.

Processo de fissão nuclear: nêutron colide com o núcleo de um átomo (ex:urânio), partindo o núcleo em pedaços e produzindo energia. Fonte: Brasilescola

 

Qual é a diferença entre fissão nuclear e fusão nuclear?

Ambos envolvem forças nucleares para alterar o núcleo dos átomos. No entanto, a fissão divide um elemento pesado (com um alto número de massa atômica) em fragmentos, enquanto a fusão une dois elementos leves (com baixo número de massa atômica), formando um elemento mais pesado. Em ambos os casos, a energia é liberada porque a massa do núcleo remanescente é menor do que a massa dos núcleos reagentes.

 

Origens da fusão nuclear

Cem milhões de anos após o Big Bang, a primeira reação de fusão foi produzida no núcleo ultradenso e ultra quente de uma das esferas gasosas gigantescas que se formaram a partir das nuvens primitivas de hidrogênio. Assim nasceu a primeira estrela, seguida por bilhões de outras em um processo que continua até hoje. A fusão é o estado dominante da matéria no Universo observável. No Sistema Solar, onde habitamos, 99,86% de toda a massa (o que corresponde ao Sol) está em estado de fusão. Na densidade e temperatura extremas das estrelas, incluindo nosso Sol, ocorre a fusão. Sem fusão, não haveria vida na Terra. O que vemos como luz e sentimos como calor é o resultado de uma reação de fusão no núcleo de nosso Sol.

 

A fusão é a fonte de energia do Universo. Ela ocorre no núcleo do Sol e das estrelas. Fonte: NASA/SDO

 

Os átomos nunca descansam: quanto mais quentes, mais rápido se movem. No núcleo do Sol, onde as temperaturas chegam a 15.000.000° C, os átomos de hidrogênio estão em constante estado de agitação. Como eles colidem em velocidades muito altas, a repulsão eletrostática natural que existe entre as cargas positivas de seus núcleos é superada e os átomos se fundem. A fusão de átomos de hidrogênio leves produz um elemento mais pesado, o hélio. A massa resultante do átomo de hélio não é a soma exata dos átomos iniciais, isso significa que alguma massa foi perdida e grandes quantidades de energia foram ganhas. Isso é o que a famosa fórmula de Einstein E = mc² descreve: a pequena quantidade de massa perdida (m), multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz (c²), resulta em um número muito grande (E), que é a quantidade de energia criada por uma reação de fusão. A cada segundo, nosso Sol transforma 600 milhões de toneladas de hidrogênio em hélio, liberando uma enorme quantidade de energia.

 

Criando um “ pequeno Sol” na Terra

Na Terra esse processo é alcançado pela combinação de dois isótopos de hidrogênio: deutério e trítio. O hidrogênio é o mais leve de todos os elementos, sendo formado por um único próton e um elétron. O deutério tem um nêutron extra em seu núcleo; pode substituir um dos átomos de hidrogênio em  para fazer o que é chamado de “água pesada”. O trítio tem dois nêutrons extras e, portanto, é três vezes mais pesado que o hidrogênio. Em um ciclo de fusão, o trítio e o deutério são combinados e resultam na formação de hélio (o próximo elemento mais pesado da Tabela Periódica) – e na liberação de um nêutron livre. O deutério é encontrado na proporção de uma parte por 6.500 na água do mar comum e, portanto, está disponível globalmente, eliminando o problema da distribuição geográfica desigual dos recursos de combustível. Isso significa que haverá combustível para a fusão enquanto houver água no planeta.

 

Representação do processo de fusão em laboratório utilizando Deutério e Trítio. Fonte:ITER

 


Trabalhando com um plasma de alta temperatura

Plasma é o quarto estado da matéria, seguindo o sólido, o líquido e o gasoso. À medida que aquecemos uma substância, suas partículas (átomos ou moléculas) vibram cada vez mais descontroladamente e suas ligações se enfraquecem ou se rompem. Assim, no estado líquido, as partículas estão fracamente ligadas em comparação com o sólido, e nos gases essa ligação é virtualmente inexistente. Se um gás é aquecido a vários milhares de graus, as partículas (moléculas ou átomos) são separadas (perdendo elétrons e tornando-se ionizadas), dando origem a um novo estado da matéria chamado plasma. Sendo assim, o hidrogênio do Sol – se encontra na forma de plasma. O plasma necessário para realizar uma fusão controlada é muito quente – 150.000.000 de graus Celsius – não podendo ser contido em um recipiente normal, pois devido às altas temperaturas, qualquer material sólido próximo seria danificado e diminuiria a temperatura do plasma.  Para realizar esse processo de maneira eficiente, é necessário o uso de campos magnéticos e correntes elétricas induzidas no plasma, de modo a desviar convenientemente as trajetórias das partículas (que geralmente vão rápida e aleatoriamente para frente e para trás) a fim de mantê-las dentro de uma região do espaço. Isso é chamado de confinamento magnético.

 

Exemplo de um tipo de contenção magnética em um reator de fusão. Fonte: HowStuffWorks

 

Os campos magnéticos são ideais para confinar um plasma, porque as cargas elétricas nos íons e elétrons separados significam que eles seguem as linhas do campo magnético. A configuração magnética mais eficaz é a toroidal, em forma de “donut”, na qual o campo magnético se curva para formar um circuito fechado. Para o confinamento adequado, a esse campo toroidal deve ser sobreposto um componente de campo perpendicular (um campo poloidal). O resultado é um campo magnético com linhas de força seguindo caminhos espirais (helicoidais), que confinam e controlam o plasma.

 

A fusão pode causar um acidente nuclear?

Não, porque a produção de energia de fusão não é baseada em uma reação em cadeia, como é a fissão. O plasma deve ser mantido em temperaturas muito altas com o apoio de sistemas de aquecimento externos e confinado por um campo magnético externo. Cada deslocamento ou mudança da configuração de trabalho no reator causa o resfriamento do plasma ou a perda de sua contenção; nesse caso, o reator para automaticamente em poucos segundos, uma vez que o processo de produção de energia é interrompido sem que ocorram efeitos externos. Por essa razão, os reatores de fusão são considerados inerentemente seguros.

 

Problemas da fusão nuclear

Atualmente, os grandes desafios nos reatores de fusão experimentais são:

  • manter a reação de fusão e confinamento estável;
  • embora o deutério seja encontrado facilmente na natureza, não existe uma fonte natural de trítio. Com meia-vida de apenas 12,3 anos, o trítio necessita ser produzido em reatores de fissão nuclear;
  • pesquisa e desenvolvimento já atingiram três gerações de físicos e engenheiros nucleares, levando a descrença de que a fusão chegue algum dia a ser economicamente viável;
  • altos custos envolvidos na produção de um reator;

Ainda assim, existem, hoje em dia, programas em busca da viabilização da fusão, como o ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor) e o JET (Joint European Torus), ambos apoiados por múltiplos países. Grandes investimentos de bilhões de dólares nesses projetos, ao longo de várias décadas, tem objetivado uma consolidação dessa tecnologia em um futuro próximo. Os pesquisadores mais otimistas afirmam a possibilidade de um reator consolidado até 2050.

 

Quer aprender mais sobre geração de energia e plasma?

Na exposição do MCT, você vai encontrar diversos experimentos que envolvem geração de energia elétrica e os diversos estados da matéria, podendo inclusive visualizar o plasma.
* União das Repúblicas Socialistas Soviéticas foi um Estado socialista localizado na Eurásia, que existiu entre 1922 e 1991.

Referências:
https://portal.ifi.unicamp.br/en/research/deq-department-of-quantum-electronics/group-of-plasma-physics-and-controlled-thermonuclear-fusion-gfpftc
Fusion Research: An Energy Option for Europe’s Future, Directorate-General for Research, European Commission, 2007 (ISBN: 9279005138)
https://www.iter.org/sci/whatisfusion
https://www.iaea.org/topics/energy/fusion/faqs