08/09/2023 - 15h31 - Por: Rafael Azeredo, Ben Fenton-Smith, Robert Mason (Griffith University)

Queensland como parceiro privilegiado para internacionalização das IES brasileiras

Estudos de internacionalização do ensino superior na Austrália tendem a se concentrar nos dois maiores estados do país, New South Wales e Victoria, que abrigam as cidades de Sydney e Melbourne. Os dois estados englobam uma pluralidade de universidades australianas e abrigam as populações com maior diversidade cultural do país. Apontamos, entretanto, oportunidades fora deste eixo, mais particularmente aquelas oferecidas pelo estado de Queensland, que possui dez universidades e um grande número de instituições de educação, a maioria delas em suas cidades costeiras do Sudeste, densamente povoadas. Como discutiremos posteriormente, os estudantes brasileiros na Austrália estão desproporcionalmente concentrados no estado de Queensland, de modo que as iniciativas de cooperação bilateral não podem ignorar tal região.

As matrículas internacionais neste estado são menos concentradas do que em outros lugares. A Tabela 1 mostra a representação proporcional de cada nacionalidade nas matrículas de alunos internacionais de New South Wales, Victoria, Queensland e Austrália em 2020. É importante ressaltar que Brasil e Colômbia, as únicas nacionalidades não asiáticas no ranking, são notavelmente mais representativos em Queensland do que em outros estados.

 

Tabela 1 – Participação por nacionalidade nas matrículas em cada estado em 2020, em percentual

Nacionalidade NSW VIC QLD Austrália
China 27 26 22 26
Índia 11 24 14 17
Nepal 13 4 5 8
Brasil 5 1 8 4
Colômbia 3 4 6 4
Vietnã 3 4 2 3
Malásia 2 4 2 3
Filipinas 3 3 4 3
Coreia do Sul 3 2 5 3
Tailândia 4 2 2 3
Outras 26 25 32 27
Total 100 100 100 100

Fonte: Departamento de Educação, Competências e Emprego (Dese 2021b)

Considerando essas tendências, argumentamos que o estado de Queensland deve ser visto como líder potencial na promoção de iniciativas de cooperação no ensino superior entre o Brasil e a Austrália.

 

Griffith University

As oportunidades de cooperação identificadas aqui vêm das práticas de gestão implementadas e previstas pela Griffith University, uma instituição de ensino superior pública australiana. A Griffith University é a maior universidade na área de captação direta de estudantes brasileiros e conta com 50.000 alunos, com campi interconectados na região.

Apesar da forte presença latino-americana na região, a Griffith University tradicionalmente se posiciona no contexto do sudeste asiático. Nesse sentido, não é diferente da maioria das universidades australianas. O relatório do CIE-LAWG (2018) afirma que uma das barreiras à internacionalização mútua do ensino superior entre a Austrália e o Brasil tem sido a relutância das IES australianas em priorizar a América Latina em suas estratégias porque “muitas instituições não têm os recursos necessários para priorizar várias regiões e concentram-se no Indo-Pacífico” (39).

A demografia dos alunos da Griffith University aponta para a América Latina como um potencial parceiro significativo. A diversidade cultural da universidade é indicada pelo fato de que o inglês é a língua falada em casa por apenas 67% do corpo discente (incluindo alunos domésticos “australianos”). Os cinco principais idiomas falados em casa (além do inglês) são todos asiáticos, mas também incluem o espanhol, árabe, africâner, francês e português. A coorte de língua espanhola é quase toda sul-americana, e 86% dos falantes de português são do Brasil. Essas estatísticas reforçam a clara importância da América Latina para o crescimento da universidade. No entanto é importante que essa relação seja estabelecida como uma troca bidirecional, e não por meio de uma lente transacional ou “concentrada no dinheiro”.

 

Oportunidades de cooperação

Identificamos quatro estruturas para a cooperação e integração bilateral entre o ensino superior do Brasil e da Austrália. Enquanto a primeira oportunidade se origina dos resultados preliminares de projeto de pesquisa sobre brasileiros na Austrália conduzido na Griffith University, as outras são derivadas de modelos atualmente em vigor na instituição.

 

Fluxos de estudantes internacionais

Desde o início dos anos 2000, a Austrália vem se tornando um dos destinos preferidos dos estudantes internacionais brasileiros. Do ponto de vista australiano, os brasileiros são o principal grupo não asiático de estudantes internacionais on-shore. Em 2020, o Brasil era a quinta maior fonte de estudantes internacionais na Austrália em termos de número de alunos (Dese 2021a) e a quarta maior fonte em termos de matrículas internacionais (Dese 2021b).

Os estudantes brasileiros estão geograficamente concentrados em poucos locais na Austrália. Eles são um grupo demográfico único, pois, proporcionalmente, tendem a residir mais em Queensland do que estudantes de outros países – particularmente em Brisbane, Gold Coast e Sunshine Coast. Ao passo que apenas 15% de todas as matrículas de estudantes internacionais em 2020 ocorreram em Queensland, 30% do total de matrículas de brasileiros ocorreu neste estado. Na Gold Coast e na Sunshine Coast, o Brasil representa a principal fonte de matrículas de estudantes internacionais, com números ainda mais altos do que China, Índia e Nepal (Dese 2021b).

No entanto, uma análise mais aprofundada revela uma situação paradoxal: apesar do aumento substancial em seu número, os estudantes brasileiros geralmente estão fora do sistema de ensino superior da Austrália. Em 2020, apenas 6% das matrículas brasileiras ocorreram em IES, enquanto EFP e Elicos representaram 93% das matrículas. Com base nesses dados, podemos argumentar que, junto com os colombianos, os estudantes brasileiros são a coorte mais sub-representada nos campi universitários da Austrália.

Pesquisa conduzida na Griffith University, explora as razões subjacentes e as consequências desse paradoxo. O número significativo de estudantes brasileiros na Austrália representa uma oportunidade. E, o fato de estarem fora do ensino superior muitas vezes indica que estes são negligenciados por instituições e formuladores de políticas nos dois países.

A razão pela qual os estudantes brasileiros não são integrados ao ensino superior são pouco conhecidas, entretanto nossa pesquisa aponta na direção das disparidades socioeconômicas entre os países. A maior parte dos estudantes brasileiros decide matricular-se no setor de EFP, em função dos custos associados a essa decisão. As taxas mais altas associadas ao ensino superior são frequentemente listadas como fatores determinantes das decisões de matrícula, juntamente com a falta de bolsas de estudo financiadas pela Austrália e pelo Brasil.

Melhorar a participação dos estudantes brasileiros no setor de ensino superior também melhoraria as condições de vida dos migrantes brasileiros na Austrália, permitindo progredirem nas carreiras iniciadas no Brasil e reduzindo a mobilidade social descendente associada à migração latino-americana no país.

 

Organizações interdisciplinares e interinstitucionais

Alguns modelos contribuem para integração da Griffith University com o Brasil e podem ser usados como estratégias nesse caminho. Trata-se da participação de acadêmicos e centros de pesquisa em organizações interdisciplinares internacionais e interinstitucionais com foco na América Latina ou cujo escopo abrange ambas as regiões.

Um exemplo de organização desse tipo, sediada na Griffith University, é a Associação de Estudos Ibéricos e Latino-Americanos da Australásia (Association of Iberian and Latin American Studies of Australasia, Ailasa). A Ailasa é a principal organização profissional da Austrália para pesquisa e engajamento em Ciências Sociais e Humanas. Busca desenvolver uma concentração estratégica em áreas de capacidade de pesquisa na Austrália e na Nova Zelândia. Fornece ainda modelo de organização em rede por meio da qual o conhecimento e as conexões podem ser ampliadas em várias instituições, tendo indivíduos e não universidades como seus membros, para viabilizar escala em equipes de pesquisa.

A Ailasa tem um modelo rotativo de liderança, que passa de uma universidade para outra na Nova Zelândia e na Austrália a cada dois ou quatro anos. Com mais de três décadas de existência, a organização oferece um modelo de rede de expertise e resiliência, particularmente importante porque na Austrália o conhecimento acadêmico sobre a América Latina é difuso e de baixa concentração em uma única instituição. A interinstitucionalidade, por sua vez, reduz o risco de colaborações dispendiosas dependentes de um ou outro indivíduo-chave.

As atividades se concentram em: seminários, conferências, workshops de desenvolvimento de competências e orientação para pesquisadores em início de carreira. Trabalha com representantes do governo, parceiros da indústria e organizações comunitárias. Essas conexões com outras universidades são cruciais para desenvolver especialização futura em conhecimentos sobre a América Latina, mas não podem ser capturadas por meio de iniciativas lideradas institucionalmente, com foco em receitas de pesquisa, métricas e publicações em coautoria.

 

Parcerias institucionais

Relaciona-se ao estabelecimento de parcerias formais entre IES, muitas vezes criadas por meio de um Memorando de Entendimento (MoU, na sigla em inglês) entre universidades com um perfil semelhante, ou nas quais áreas de estudo de nicho ou interesses de pesquisa se sobrepõem. A Griffith University tem vários memorandos de entendimento com universidades na América Latina. E não é a única: muitas universidades australianas buscam tais acordos, facilitados por redes de conexões entre universidades do país como o “Grupo dos Oito”, a “Rede Regional de Universidades”, a “Rede Australiana de Universidades de Tecnologia” e a “Rede de Universidades de Pesquisa Inovadora”. Segundo o relatório do CIE-LAWG, em 2018, acordos formais entre universidades australianas e brasileiras, representavam 26% do total de acordos vigentes com instituições latino-americanas.

Um MoU pode ser apenas um meio de aumentar a mobilidade dos alunos em áreas específicas de aprendizagem, tornando-se vítimas potenciais da “mentalidade transacional” de captação de alunos. MoUs mais amplos abrangem compromissos em desenvolvimento de currículo, aprendizagem colaborativa (on-line), intercâmbio de funcionários e estudantes de doutorado, correalização de conferências, publicações conjuntas e solicitações de subsídios. No entanto, o sucesso de tais iniciativas muitas vezes depende do compromisso contínuo de apenas uma ou duas pessoas em cada instituição. As instituições também correm o risco de assinar MoUs demais, excedendo os recursos disponíveis para sua manutenção efetiva, o que representa problema diante da enorme distância geográfica entre a Austrália e o Brasil.

A Griffith University tem nas ciências ambientais sua principal área de cooperação com o Brasil. O que não surpreende. Afinal foi a primeira universidade australiana a criar uma escola interdisciplinar de ciências ambientais com diplomação na área a partir de 1971. A universidade também abriga o Australian Rivers Institute, o melhor instituto de pesquisas de segurança hídrica do mundo, de acordo com o relatório Global Go To Think Tank Index de 2020 (McGann, 2021). O programa Capes PrInt do governo brasileiro para a internacionalização do ensino superior gerou motivação e a oportunidade para maior conexão da Griffith University com universidades brasileiras, na pesquisa sobre água.

 

Cooperação acadêmica entre pares

Existem ainda cooperação acadêmica entre pares não necessariamente por meio de conexões institucionais. No âmbito das Ciências Sociais e Humanas, tais conexões frequentemente resultam de congressos acadêmicos ou colaboração para a produção de artigos em coautoria. Nas universidades em geral, isso tende a ocorrer em áreas altamente especializadas entre instituições cujos acadêmicos compartilham um perfil internacional igualmente distinto. No caso da Griffith, isso ocorre em áreas como gestão de aviação, ciências ambientais, turismo e patrimônio, nas quais a universidade tem uma reputação global significativa e um diferencial.

Essas colaborações visam produzir publicações em coautoria e bolsas direcionadas, mas carecem da infraestrutura institucional para se manterem sustentáveis caso as bolsas faltem.  Podem não estar alinhadas com as áreas de crescimento dos alunos; além disso, qualquer reciprocidade também depende muito do apoio contínuo de acadêmicos individuais. Anteriormente, os esforços das universidades para coletar dados institucionais sobre cooperação acadêmica entre pares foram iniciativas ad hoc ou tiveram de enfrentar vários desafios práticos devido ao enorme número de intercâmbios internacionais desse tipo. Isso mudou recentemente, e todas as universidades australianas são obrigadas a manter um registro de parcerias com instituições estrangeiras para cumprir com a Lei de Relações Exteriores da Austrália e com o Esquema de Transparência da Influência Estrangeira (respectivamente, Australian Foreign Relations Act e Foreign Influence Transparency Scheme). Isso tende a facilitar a identificação de parcerias também nesse campo.

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