08/09/2023 - 15h39 - Por: Rafael Azeredo, Ben Fenton-Smith, Robert Mason (Griffith University)

Modelos para cooperação e parceria Brasil-Austrália no Ensino Superior: perspectivas australianas

Os desenvolvimentos recentes na educação internacional da Austrália sugerem que o Brasil tem potencial para se tornar um importante parceiro na cooperação e integração com instituições australianas de ensino superior. Considerando essa tendência, identificamos oportunidades para o aprimoramento da cooperação bilateral entre os dois países neste contexto. Escrito a partir de uma perspectiva australiana, o artigo explora oportunidades de integração distintas e sobrepostas. Essas oportunidades são identificadas com base no estudo de caso da Griffith University e nas práticas usadas e concebidas pela instituição.

Nos últimos anos, ocorreu uma mudança paradigmática para a educação internacional na Austrália: o surgimento do Brasil como um parceiro-chave para a cooperação e integração em instituições de ensino superior (IES) australianas. Essa mudança está relacionada a duas tendências. Por um lado, o Brasil destacou-se como uma expressiva fonte de estudantes internacionais no país, em grande medida fora do ensino superior. Por outro lado, reconhece-se cada vez mais que as IES australianas devem deslocar seu olhar da Ásia para outras regiões como a América Latina. Da mesma forma, um movimento similar ocorre no Brasil, voltado à diversificação de parceiros tradicionais da América do Norte e Europa, com um deslocamento para construção de parcerias estratégicas com a Ásia e vizinhos latino-americanos.

Em relação ao intercâmbio estudantil internacional entre Brasil e Austrália, a Austrália se tornou um dos principais destinos dos estudantes brasileiros, ficando atrás apenas de Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Irlanda (Icef 2019). Em 2020, o Brasil foi a quinta principal fonte de estudantes internacionais para a Austrália (Dese 2021a). De fato, a Austrália vivenciou um boom mais amplo de migração originária do Brasil nas duas últimas décadas, impulsionado principalmente por estudantes internacionais (Wulfhorst 2014). Pesquisas nesta coorte indicam que são tipicamente jovens profissionais com alto nível educacional, pertencentes às classes média alta e média. (Rocha 2006; 2008; 2009). Esses estudantes frequentemente permanecem na Austrália por muitos anos, matriculando-se em diferentes tipos de cursos, muitas vezes em busca de formas mais definitivas de migração (Rocha 2019).

Em contraste, o número de australianos que viajam ao Brasil para estudar é pequeno, assim como é baixo o envolvimento ativo das IES australianas com o país. Uma pesquisa pré-pandemia do “Fórum de Diretores Internacionais de Universidades Australianas” (2019) relatou que um em cada quatro estudantes de graduação australianos participara de alguma experiência de aprendizagem no exterior durante sua graduação, sendo que 49% deles tenham visitado a região do Indo-Pacífico, enquanto não havia estatísticas para o continente sul-americano. Em contraste, 13,8% dos estudantes norte-americanos realizam seus estudos no exterior na América Latina (Nafsa 2019).

Esses números apoiam as conclusões e recomendações de relatório sobre o envolvimento da Austrália com a América Latina em educação, publicado em 2018, pelo “Conselho para a Educação Internacional – Grupo de Trabalho da América Latina” (CIE-LAWG). Embora 84% das instituições pesquisadas tivessem envolvimento com a América Latina, os centros de inglês respondiam pela maior parte desse universo. Na comparação, apenas 44% das IES australianas relataram possuir vínculos na região. Os motivos para o não envolvimento na AL citados foram: falta de demanda, falta de recursos e incapacidade dos alunos latino-americanos de pagarem as altas taxas cobradas pelas IES australianas (CIE-LAWG 2018, 18). Essas respostas estão em linha com a chamada “mentalidade transacional” das universidades australianas, “focada no dinheiro” e relativamente pouco voltadas para “a mobilidade bidirecional e em parcerias igualitárias” (CIE-LAWG 2018, 4).

Embora muitos brasileiros tenham viajado para a Austrália para estudar (e, em alguns casos, migrar), relativamente poucos ingressaram no setor de ensino superior (em 2020, apenas 6% das matrículas de brasileiros na Austrália foram efetuadas em IES). Como o número é baixo, as universidades australianas não priorizam o envolvimento com o Brasil. Em outras palavras, a baixa visibilidade dos estudantes brasileiros fora dos setores profissionalizante e de ensino de inglês indica que o Brasil está fora do radar das IES australianas. No entanto, há um entendimento maior de que “envolvimento” precisa significar mais do que “número de estudantes recebidos”. Como destaca o relatório do CIE-LAWG (2018, 33):

Há uma série de oportunidades para aumentar a mobilidade bidirecional de estudantes, pesquisadores e acadêmicos entre a Austrália e a América Latina. Os esforços atuais de mobilidade têm se concentrado principalmente em trazer estudantes latino-americanos para a Austrália, mas há um desejo significativo em muitos países latino-americanos de receber mais estudantes australianos.

O relatório também reconhece que “as relações entre a Austrália e os parceiros emergentes na América Latina estão em um estágio inicial de desenvolvimento” e que as novas iniciativas precisam ser de longo prazo, bidirecionais e consistentes, a fim de construir uma relação de confiança (45).

Essas tendências representam uma mudança potencialmente paradigmática para as instituições de ensino superior australianas. Vemos a América Latina, e o Brasil em particular, como um dos principais focos de cooperação, integração e internacionalização do ensino superior australiano nos próximos anos. Baseamo-nos em tendências demográficas e no estudo de caso da Griffith University para identificar quatro oportunidades distintas, porém sobrepostas, de integração: fluxos internacionais de estudantes, organizações interdisciplinares interinstitucionais, parcerias institucionais e cooperação acadêmica entre pares. Argumentamos que as IES da Austrália e do Brasil poderiam explorar essas oportunidades para alavancar a cooperação e a integração bilateral nos próximos anos.

Para fins de contextualização, começamos apresentando uma visão geral do setor de educação internacional na Austrália e de como ele deve mudar nos próximos anos.

 

O setor de educação internacional da Austrália

A Austrália é reconhecida como um exemplo de sucesso em termos de internacionalização da educação, especialmente quando avaliada de acordo com a métrica bruta de quantos estudantes estrangeiros atrai. Em 2019, havia 758.154 estudantes internacionais estudando na Austrália, de mais de 190 diferentes nacionalidades (Dese 2021a). O setor que consistentemente representou a maior parte das matrículas foi o Ensino Superior (incluindo cursos de graduação e pós-graduação ministrados por universidades), seguido por Educação e Formação Profissionalizante (EFP)  (Vocational Education and Training, VET) (que inclui cursos superiores gerais mais curtos ministrados por Organizações de Treinamento Registradas). Os Cursos Intensivos de Língua Inglesa para Estudantes Estrangeiros (English Language Intensive Courses for Overseas Students, Elicos) concentram-se exclusivamente na proficiência em língua inglesa e representaram 12% do total de matrículas em 2020. Escolas incluem matrículas em escolas primárias e secundárias, enquanto Non-Award (sem certificado) é uma categoria ampla que abrange cursos não credenciados em diferentes áreas. A Figura 1 ilustra a evolução das matrículas em todos os setores para todos os estudantes estrangeiros com visto de estudante da Austrália.

 

Figura 1 – Matrículas de alunos internacionais na Austrália, 2002-2020

Fonte: os autores, com base em dados do Departamento de Educação, Competências e Emprego (Department of Education, Skills and Employment, Dese 2021b)

A educação internacional da Austrália está passando por grandes mudanças que provavelmente afetarão seu perfil nos próximos anos. O setor foi significativamente afetado pela crise de mobilidade da Covid-19. Desde março de 2020, a Austrália implementou medidas de controle rigorosas, o que fechou quase completamente suas fronteiras para o recebimento de estudantes internacionais. Os números começaram a cair drasticamente no segundo semestre de 2020, e a tendência se manteve desde então. Como resultado, o setor de educação internacional da Austrália teve de contar com matrículas on-shore (alunos que já estão na Austrália) e, no momento em que este artigo foi escrito, não está claro quando as fronteiras australianas serão reabertas para estudantes internacionais.

Nem todos os setores da educação foram afetados da mesma forma por esta crise. O setor de EFP, em função de seus períodos de inscrição mais curtos e taxas mais baixas, em verdade cresceu em 2020 devido à demanda on-shore, embora as Elicos e Escolas tenham sofrido um impacto mais severo.

O Governo Federal reconheceu isso em maio de 2020, quando anunciou que a “Estratégia Nacional para Educação Internacional” existente (Departamento de Educação e Treinamento 2016) não seria atualizada mas substituída por uma nova com previsão de lançamento entre 2021 e 2022. Isso porque será necessária uma nova “compreensão [dos] impactos e desdobramentos da Covid-19, apoiada por pesquisas e análises realizadas durante o restante de 2020 e no início de 2021”, bem como por “consultas formais às partes interessadas” (Council for International Education 2020).

O foco atual na China, Índia e Nepal deve mudar, com orientação às universidades para diversificação no contexto pós-pandemia. Outras regiões – como a América Latina e, principalmente, o Brasil – estão agora na vanguarda do pensamento e do planejamento do ensino superior. Essa reorientação estratégica global do governo australiano apresenta oportunidades de cooperação que transcendem a natureza comercial dessas relações. As universidades da Austrália e do Brasil devem acompanhar de perto a evolução dessas discussões, pois elas provavelmente criarão novas oportunidades de pesquisa e parcerias acadêmicas. Esse contexto cria a pré-condição para redes acadêmicas mais amplas no futuro.

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