Pesquisa aponta que o discurso de ódio contra corruptos não reduz tendência de agir corruptamente

Estudo da PUCRS em parceria com a University of Waikato, da Nova Zelândia, foi reconhecido internacionalmente pela abordagem inovadora a partir da psicologia social

21/09/2022 - 19h08
Angelo Brandelli Costa

Angelo Brandelli, professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida. / Foto: Bruno Todeschini

O professor da Escola de Ciências da Saúde da Vida Angelo Brandelli e o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Felipe Vilanova realizaram uma pesquisa de investigação da corrupção a partir da Psicologia. O estudo realizado em parceria com o pesquisador Taciano Lemos Milfont, da University of Waikato, da Nova Zelândia, foi publicado na Journal of Personality and Social Psychology, dos Estados Unidos. A revista é uma das principais publicações internacionais na área de psicologia social, organizada pela American Psychological Association, que possui grande impacto na comunidade científica. 

O artigo intitulado A dual process social psychological model of corrupt intention and attitudes toward corrupt people é fruto de seis pesquisas realizadas ao longo de dois anos, que compuseram a dissertação de mestrado do Felipe Vilanova. Nesse trabalho, foi proposto um modelo psicológico que detalha a relação entre ideologias, corrupção e suas raízes psicológicas, bem como a relação entre intenção corrupta e atitudes em relação a pessoas corruptas.  

Sobre a pesquisa 

Para entender as raízes psicológicas da corrupção foram coletados dados de 1.893 participantes brasileiros de todas as regiões do país, contando com participantes de diferentes níveis educacionais e classes socioeconômicas. Os pesquisadores explicam que uma maior tendência de praticar ações, como pagar propina, pode ser apoiada na ideia de que “certos grupos devem ser mantidos em seus devidos lugares na sociedade” ou que “alguns grupos de pessoas são inferiores a outros na sociedade”.  

Para entender essa relação, os autores utilizaram questionários validados nacionalmente pelo aluno e professor e perguntaram aos participantes o quanto eles concordavam com diversas frases similares às referidas anteriormente e o quanto eles estariam dispostos a pagar propina para conseguir um contrato milionário com uma empresa internacional. Os resultados demonstraram que pessoas que concordam com as ideias que “certos grupos devem ser mantidos em seus devidos lugares na sociedade”, há uma maior chance de agir de forma corrupta.  

“Isso ocorre principalmente porque quem endossa tais ideias tende a ter uma visão de mundo muito competitiva, encarando a sociedade como uma selva em que se deve manipular pessoas para obter poder e sucesso. Assim, para essas pessoas, a corrupção não seria um problema grave, mas apenas mais um meio necessário para obter sucesso”, explica Brandelli.  

felipe_vilanova,psicologia,pós-graduacao,aluno,estudante,mestrando

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Felipe Vilanova. / Foto: Mariana Haupenthal

Outro ponto que os autores abordam no artigo é que é falsa a hipótese de que pessoas que julgam mal quem é corrupto têm baixa chance de engajamento em comportamentos corruptos. Os dados apresentados na pesquisa indicam que expressar posições negativas em relação a pessoas corruptas não tem relação a tendência de agir corruptamente. 

Ações efetivas contra a corrupção 

A partir das pesquisas realizadas pelo doutorando Felipe Vilanova, pelo professor Angelo Brandelli e pelo docente Taciano Milfont foram indicadas conclusões importantes sobre o que deve ser feito em termos de políticas públicas e agendas efetivas contra a corrupção. Dados preliminares da pesquisa já haviam gerado um manual para o enfrentamento da corrupção no setor público baseado em evidências 

A primeira conclusão aponta que o discurso de ódio a corruptos tende a ser ineficaz considerando o objetivo de reduzir a corrupção. Embora possa ser uma estratégia de campanha que mobilize as pessoas, a sua eficácia é altamente questionável. Os autores explicam que o foco deveria ser em promover ambientes que sejam voltados à cooperação e não à competição, evitando a busca desenfreada por poder e status em âmbitos governamentais e organizacionais. 

Outros destaques apresentados pelos pesquisadores abordam que a agenda política contra a desigualdade adquire importância ainda maior em virtude da conexão apontada entre apoio a ideologias anti-igualitárias e maior intenção corrupta. Realçando os impactos ainda maiores dos que são usualmente discutidos, verifica-se que a discussão em torno da desigualdade impacta algo como a corrupção que, até então, parecia desconexo. 

Felipe Vilanova, aluno de Brandelli, ressalta a importância da publicação internacional para este projeto, que buscou apresentar que as ideias sobre desigualdade e suas raízes psíquicas não são neutras em relação à perpetuação da corrupção. 

“Os resultados representam um marco não só para os estudos científicos sobre corrupção, mas também para a ciência brasileira de maneira mais ampla. Além disso, a publicação em uma das revistas mais importantes do mundo na área da psicologia social traz maior visibilidade para a importância da produção científica nacional em ciências humanas, que vem sendo cada vez mais negligenciada ao longo dos anos”, destaca o doutorando. 

Leia também: Pesquisa da PUCRS recebe financiamento de empresa biofarmacêutica suíça


Leia Mais Veja todas