30 de Setembro de 2020
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Estado terá 68 policiais candidatos neste pleito

Na tentativa de repetir a trajetória que consagrou candidatos ligados às forças de segurança nas últimas eleições, ao menos 68 policiais civis e militares irão concorrer a prefeito ou vereador no Rio Grande do Sul.


O fenômeno começou a ser percebido em 2016 e ganhou força em 2018, com a campanha de Jair Bolsonaro. Ex-capitão do Exército politicamente ligado às corporações armadas, o atual presidente alavancou o crescimento da bancada da bala, que triplicou de tamanho no Congresso, saltando de 36 para 102 parlamentares.


À votação do dia 15 de novembro, no Estado concorrem ao menos 35 candidaturas de policiais civis e 33 de militares. Em 2016, também ano de eleição municipal, 109 policiais concorreram no Estado (54 civis e 55 militares). Na campanha de 2018, que teve menor quantidade de candidatos no total, a Polícia Civil registrou apenas nove pedidos de licença. Na Brigada Militar, a evasão foi menor: sete.


Em todo o país, o número de agentes de segurança que se licenciaram para concorrer cresceu 12,2% em relação à última eleição municipal.


Bolsonarismo


Levantamento do jornal O Globo mostrou salto de 5.991 candidatos, em 2016, para 6.720, agora. Só nas Forças Armadas, o incremento foi de 44%.


- Esse é um fenômeno recente, motivado principalmente pela desconfiança da população nos partidos e políticos tradicionais. As pesquisas mostram que as Forças Armadas são a instituição de maior credibilidade. Quanto menos confia nos políticos, mais o eleitor tende a migrar para representantes de outros setores. Há um mercado político a ser explorado e o ambiente é favorável à centro-direita - aponta o cientista político Paulo Peres, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


Na onda do bolsonarismo, os gaúchos elegeram ao menos três parlamentares vinculados às forças de segurança. Na Assembleia Legislativa, conquistaram assento dois militares do Exército, o Capitão Macedo, e o deputado estadual mais votado do Estado, tenente-coronel Zucco (PSL). Na corrida à Câmara, o eleito foi o deputado federal Sanderson (PSL), escrivão da Polícia Federal.


Violência


O sucesso eleitoral obtido nos últimos anos impulsionou novas ambições. A prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, chegou a ser cobiçada por Zucco, Comandante Nádia (DEM), eleita vereadora em 2016, e o coronel reformado da BM Mário Ikeda (PRTB), estreante na política. Todavia, nenhum conseguiu viabilizar candidatura majoritária.


Zucco foi o primeiro a desistir após desacertos no partido. Nádia viu o DEM apoiar o candidato do MDB, Sebastião Melo, e Ikeda foi convencido por um grupo de empresários a concorrer a vereador, onde teria maiores chances de se eleger.


Essa mudança de planos não representa perda de eleitorado. Professor de Direito da PUC-RS e especialista em segurança pública, Rodrigo Azevedo afirma que índices de violência e a percepção de insegurança que cercam a população acabam atraindo simpatia a políticos identificados com a agenda de combate à criminalidade.


O desafio, sustenta Azevedo, é encontrar soluções que não fiquem restritas ao que classifica como "populismo penal". Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Azevedo diz que ações efetivas, como apoio ao Sistema Único de Segurança, o ciclo completo de policiamento, a valorização profissional e mecanismos de prevenção ao crime ficaram em segundo plano nos últimos anos.


- Até agora, esse policiais e militares têm atuado muito mais na defesa de interesses corporativos de suas categorias do que na defesa de uma política de segurança pública minimamente articulada. A contribuição tem sido com propostas reativas e de apelo popular, como aumento de penas - comenta.


Ponderação


Há ainda preocupação com a politização e partidarização das corporações armadas, cujo reflexo mais danoso é o surgimento de greves de policiais militares, movimento proibido por lei.


Para especialistas, muitas vezes o retorno à corporação de um agente cuja candidatura fracassou pode resultar na presença de uma personalidade política ativa no ambiente militar. Para se manter competitivo na ciranda eleitoral, esse agente precisa de um discurso constante, não raro de viés sindicalista e com ameaça à manutenção da hierarquia e disciplina.


- Por isso, na maioria das democracias mais consolidadas ocidentais é vedada a permissão dessas candidaturas (em organizações militares). Há sempre o risco de que o espaço profissional seja usado para obtenção de ganhos eleitorais - conclui Azevedo.