Pesquisador estuda os impactos da tecnologia na política 

Professor das Escolas de Direito e Humanidades, Augusto Jobim do Amaral realiza diversas pesquisas sobre tecnopolíticas e contexto político contemporâneo

15/03/2022 - 17h00
Impactos da tecnologia na política têm crescido cada vez mais

Foto: Envato

As transformações geradas pela tecnologia e pela internet estão cada vez mais impactando nossa forma de viver. Isso influencia tanto hábitos simples, como pagar uma conta ou pedir comida em casa, quanto processos mais complexos, como o rumo de uma eleição. Diversas pesquisas vêm sendo realizadas sobre essa temática, intitulada tecnopolítica. Na Universidade, o pesquisador e professor das Escolas de Direito e de Humanidades Augusto Jobim do Amaral dedica sua atuação acadêmica a estudos sobre os impactos da evolução digital na política. 

O docente, que desenvolve pesquisas sobre tecnopolítica nos Programas de Pós-Graduação em Ciências Criminais (PPGCCRim) e em Filosofia (PPGFil), explica ainda que o conceito diz respeito ao modo como processos de ação, comunicação e gestão políticas são modulados pela tecnologia. Segundo ele, se essas transformações podem trazer benefícios, também podem criar profundas instabilidades nas democracias modernas. 

Entenda o conceito de tecnopolítica 

Atualmente as práticas tecnológicas produzem efeitos fundamentais nas relações de poder. Augusto explica que os mais profundos dilemas em termos políticos, éticos, jurídicos, sociais e comunicacionais nos dias de hoje são compostos pelas dinâmicas forjadas por uma cultura tecnológica. Isso acontece quando existe uma automatização do pensamento, ou seja, quando o pensamento se torna cálculo e vemos a tecnologia como solução de nossos problemas sociais e políticos, em uma espécie de utopismo digital. 

Foto: Pexels

Um exemplo desse movimento, citado pelo pesquisador, é quando as pessoas utilizam aplicativos de monitoramento da alimentação. Além de, em alguns lugares, o usuário estar fornecendo dados como referência para preços de planos de saúde, ele é deslocado do real problema de saúde pública na direção de uma responsabilização pessoal. “Em outros termos, somos desviados de um problema coletivo sobre, por exemplo, a indústria de alimentos, que contribui para a obesidade e outros problemas de saúde. Assim, cria-se uma noção que os problemas são individuais e não de todos”, explica Augusto. 

Outro exemplo são os aplicativos que têm como objetivo auxiliar o serviço de trânsito e manutenção de uma cidade. Nesse caso, o app ajuda a identificar onde há buracos na rua para saná-los o mais rápido possível, sem discutir a causa dessas ocorrências. “Gerenciam-se os efeitos sem perguntar ou discutir as escolhas políticas em torno do orçamento na manutenção das vias públicas que poderiam explicar e evitar a tamanha quantidade de defeito nas vias”, conclui o professor. Para ele, por mais banais que sejam estas situações, sinalizam um sintoma de algo muito mais radical na direção de uma espécie de “morte da política”. 

A tecnologia vista como verdade absoluta 

Augusto comenta que o problema se amplifica quando a tecnologia é utilizada como verdade absoluta, sem que as pessoas percebam que os algoritmos e dados automatizados produzidos em larga escala foram criados a partir de escolhas políticas que não são neutras. O docente conta que em bancos, por exemplo, são utilizados e-scores para prever a possibilidade de adimplência das pessoas tendo como base onde habita ou com quem se relaciona. Já dispositivos de predição criminal buscam prever se a pessoa voltará a delinquir ou mesmo determinará sua pena a cumprir levando em consideração a cor da pele, onde mora, se possui amigos com passagem na polícia, entre outros proxies que configuram opiniões (muitas vezes preconceituosas) no formato de código. 

“Esses e outros sistemas tecnológicos apenas reforçam preconceitos. Porque dentro destes algoritmos nada mais estão do que escolhas políticas escolhidas que nada são neutras. Assim, eles ampliam o racismo da seletividade penal e invisibilizam as piores desigualdades”, finaliza Augusto. 

Parceria internacional resultou em livro sobre o tema 

Recentemente, Amaral organizou o livro intitulado Algoritarismos, junto com o professor espanhol Jesús Sabariego, da Universidad de Sevilla (US), e com o pesquisador do PPGCCRim Eduardo B. Salles. A obra reúne 34 pesquisas expostas em quatro idiomas sobre as principais questões relacionadas à tecnopolítica na atualidade. A publicação é produto de financiamento da União Europeia (UE), da Fundação para Ciência e Tecnologia de Portugal, do Ministério de Ciencia y Innovación da Espanha e da Marie Curie Actions, da UE.  

O estudo é fruto de um longo histórico de parceria entre a PUCRS e a US, da Espanha, em especial da relação entre os dois professores, Augusto e Jesús. Desde 2017, Jesús participa de iniciativas do PPGCrim da PUCRS. Nesta cooperação internacional, o Augusto realizou missão de trabalho na Espanha, através do Capes-PrInt, onde encaminhou projetos, como este livro. O projeto contou também com o doutorando do PPGCCrim da PUCRS Eduardo Salles, que realizou cotutela entre as duas instituições. 

No livro, o docente, em conjunto com 48 pesquisadores de diferentes nacionalidades, apresenta questões sobre a era atravessada digitalmente e os impactos relevantes nas dinâmicas humanas, principalmente em termos de violência e controle social.  

As discussões avançam criticamente na reflexão tecnopolítica em temas como big data, datafied society, surveillance capitalism, solucionismo digital e inteligência artificial e direitos humanos na era digital, sobretudo nas nuances europeias e latino-americanas. De acordo com Augusto, uma crítica da violência neste viés deve apontar os efeitos redutores em nossas vidas colocados em favor de lógicas de controle, de violação de direitos e de produção e de violações éticas. Além disso, para o professor, vivemos em um modo de cultura monotecnológica, ou seja, na busca por uma máxima eficiência. 

“A discussão a partir desse viés é fundamental, sobretudo porque se diferencia de um mero conformismo, de uma assimilação asséptica e acrítica deste estado de coisas digital. Para além de um tecnofobia, vivemos na busca por uma espécie de solução mágica aos nossos maiores dilemas políticos”, explica.


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