Dia Mundial do Refugiado reforça debate sobre empatia e políticas de acolhimento

Fluxos migratórios são tema de pesquisas conduzidas na Universidade, além de um serviço de atendimento a imigrantes

20/06/2022 - 17h10
aula, português, refugiados

Foto: Camila Cunha

O Dia Mundial do Refugiado, que acontece no dia 20 de junho, é uma data internacional definida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para homenagear as pessoas refugiadas em todo o mundo. A data busca homenagear a força e a coragem das pessoas forçadas a deixar seu país de origem para escapar de conflitos, além de promover empatia e compreensão em torno desta situação e reconhecer a resiliência das pessoas refugiadas na reconstrução de suas vidas.

O Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) define como refugiados aqueles solicitantes de asilo políticos e os deslocados internos ao seu país. De acordo com os levantamentos da ACNUR, pela primeira vez na história, foi ultrapassado a marca impressionante de 100 milhões de refugiados e deslocados no mundo. O pesquisador da Escola de Humanidades Antonio de Ruggiero explica que estes indivíduos são obrigados a fugir de conflitos, violências, persecuções e violações dos direitos humanos em geral e que normalmente, as desigualdades sociais, a fome, a miséria, catástrofes climáticas e as guerras, intensificam esta mobilidade em busca de melhores condições de vida.

O docente coordena o projeto internacional Migrações: Perspectivas Histórico-conceituais e Análise de Fenômenos Contemporâneos, elaborado a partir da participação de professores ativos nos Programas de Pós-Graduação (PPG) em História, Filosofia, Psicologia, Letras e Ciências Socias da PUCRS. Ruggiero complementa que todos os deslocamentos, seja para salvar a vida, seja para melhorar as condições de vida, se revelam muito perigosos. A cada ano, registram-se milhares de mortos e desaparecidos, sem considerar que mais do 40% dos refugiados são menores de idade, com um número altíssimo de crianças envolvidas.

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Foto: Camila Cunha

O objetivo do projeto coordenado por Ruggiero é analisar o complexo fenômeno da migração a partir de diferentes enfoques de pesquisa, considerando os atravessamentos entre culturas, práticas sociais e padrões de interação entre indivíduos, levados a cabo no momento em que pessoas provenientes de diferentes espaços são colocadas em contato em situações de significativo estresse pessoal e familiar. No projeto, a migração é examinada tanto em contextos pacíficos, quanto em contextos marcados pelo conflito. Ruggiero também destaca que a simples experiência da desterritorialização (causa de significativo sofrimento) é potencializada pelo trauma provocado nos contextos em que tal migração ocorre em situações como conflitos armados.

Migração em diferentes contextos

No PPG em História existem três pesquisas sendo desenvolvidas dentro desta temática. A doutoranda Caroline Atencio Medeiros Nunes, orientada pelo pesquisador Ruggiero está realizando sua tese Presença e mobilidades internas de árabes palestinos e descendentes no sul do Brasil de 1948 a 1980. De acordo com a pesquisa, trata-se de uma migração complexa que carrega questões que se relacionam com o estatuto do refugiado, visto a entrada destituída de um estado-nação. Caroline pontua em seu trabalho que a maioria destes imigrantes entra através do passaporte jordaniano conquistado nas décadas de 1950 e 1960.

A doutoranda também aborda as denominações para estes migrantes árabes em território brasileiro durante o período da Ditadura Civil-Militar. Conforme explica seu orientador, Ruggiero, este período foi marcado por políticas migratórias de exclusão, tendo a etnia europeia como a ideal.

Ainda no PPG em História, a pesquisadora da Escola de Humanidades Cláudia Musa Fay orienta a pesquisa Elas Merecem ser lembradas: Imigrantes venezuelanas em Porto Alegre, desenvolvida pela mestranda Giselle Hirtz Perna. Com sua dissertação, a aluna realiza uma análise de relatos de mulheres venezuelanas que residem na capital gaúcha desde 2016, objetivando as metodologias da História Oral, pesquisas de gênero e feminização das migrações. Com isso, a mestranda contribui para o debate sobre as dificuldades e interpelações nas quais mulheres sofrem mais que homens nos processos de mobilidade, apontando que a violência à qual essas mulheres são submetidas vai além das esferas físicas, pois são somadas violência simbólica e estrutural, baseada no gênero, raça, classe e nacionalidade.

Outra pesquisa ainda em fase inicial é desenvolvida pelo doutorando Lino Alan Dal Prá, que pretende analisar em profundidade as políticas migratórias elaboradas pela União Europeia, e em particular, pelo estado italiano nos últimos trinta anos. O aluno está sendo orientado por Ruggiero, que destaca que a mobilização de assistência e solidariedade aos refugiados ucranianos na Europa em 2022 não é comum no histórico recente de outras crises do mundo. De acordo com o pesquisador, em muitos casos se registram dificuldades na gestão da problemática e incapacidade por parte dos estados de responder com programas organizados de acolhimento.

“Os refugiados são frequentemente confinados em centros de detenção que se assemelham a prisões. A União Europeia já teve grande dificuldade em lidar com a questão nos últimos anos, a frente de um número sempre crescente de pedidos de asilo político”, destaca o professor.

Apoio e inclusão

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Foto: Camila Cunha

Ruggiero também destaca que o sucesso da inclusão dos imigrantes com investimentos em políticas de integração socioprofissional é fundamental para o bem-estar, a coesão e a prosperidade das mesmas sociedades acolhedoras. Para o pesquisador, as migrações perpassam a sociedade e a transformam, obrigando o repensar sobre o pacto de convivência entre seres humanos, que deve hoje ser adaptado a uma sociedade pós-nacional, pluralista, culturalmente interligada e complexa.

Por conta disso, o docente complementa que as colaborações em pequenas escalas como apoios institucionais, ONGs, organizações religiosas e programas de voluntariado são muito eficientes em ajudar no primeiro momento de um refugiado, principalmente aqueles que chegam sem apoio de conterrâneos no local.

Atuação do SADHIR

Com esta visão, a PUCRS conta com o Serviço de Assessoria em Direitos Humanos para Imigrantes e Refugiados (SADHIR), um projeto de extensão acadêmica, vinculado ao Núcleo de Prática Jurídica da Escola de Direito. A atuação do Grupo busca auxiliar a população migrante em situação de vulnerabilidade da região de Porto Alegre e região metropolitana. Atualmente o Serviço é coordenado pelo professor Gustavo de Lima Pereira, que atua na área de Direito Internacional, Direitos Humanos, Migração, Proteção Internacional e Filosofia do Direito.

O SADHIR foi iniciado em 2016 a partir de um projeto proposto pelo docente, contando com acadêmicos de graduação com interesse pela temática migratória. Atualmente o grupo conta com acadêmicos voluntários dos cursos de graduação em Direito e em Relação Internacionais da PUCRS. Unidos, os professores e alunos atuam em três esferas: atendimento à comunidade imigrante, desenvolvimento de pesquisas acerca do tema e articulação dos entes estatais na delimitação de políticas de acolhimento.

A principal esfera do SADHIR é a prática, que consiste no atendimento à comunidade de imigrantes e refugiados que residem na cidade de Porto Alegre e região metropolitana. O objetivo desta atuação é oferecer um serviço de assessoria em direitos humanos que seja efetivo e gratuito, diretamente prestado por estudantes e diplomados da Escola de Direito. São realizados encontros semanais na universidade, além de fazer mutirões de atendimentos, nos quais os integrantes do grupo deslocam-se até as comunidades onde vive a população imigrante.

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Foto: Camila Cunha

O coordenador explica que a assessoria prestada pelo grupo não é estritamente jurídica, pois é preciso prestar um serviço ciente das necessidades das pessoas migrantes, o qual compreende situações para além de questões judiciais. O atendimento do SADHIR aos imigrantes e refugiados engloba procedimentos administrativos junto aos órgãos competentes, conscientização dos direitos e deveres desta população, auxílio no acesso de tais direitos e a integração destas pessoas no Brasil. Em relação aos procedimentos administrativos, as demandas são de regularização migratória, solicitações de refúgio, solicitações de carteira de registro nacional migratório, renovação de vistos, pedidos de residência, reunião familiar e outros.

Conhecimento e migração

Além dos serviços administrativos prestados, o SADHIR desenvolve pesquisa sobre os temas migração, refúgio e apatridia. Os integrantes do grupo mantêm-se sempre atualizados em relação ao tema, além de realizar projetos de pesquisas sobre a temática e participar de eventos acerca das migrações, trocando conhecimento e informação com demais pesquisadores da área. Desde 2017, o Grupo organiza um congresso anual intitulado “Direitos Humanos e Migrações Forçadas: Xenofobia, Refúgio e Transnacionalidade”, contando com a presença de professores, profissionais que trabalham no atendimento a imigrantes e refugiados em outros grupos voluntários, além dar voz sempre a algum migrante.

Políticas de acolhimento

Gustavo Pereira ressalta que o acolhimento de imigrantes e refugiados envolve também a participação em debates e fóruns para a construção de políticas públicas em prol da comunidade migratória. Em virtude disso, o SADHIR também trabalha na articulação com secretarias estaduais e municipais de direitos humanos que atuam diante da temática. Um exemplo de ação é a participação do grupo nas reuniões do Comitê de Atenção aos Imigrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas (COMIRAT) do Rio Grande do Sul.

Além disso, o SADHIR integra o comitê local de Porto Alegre (COMIRAT-POA), que surgiu de uma parceria entre os governos federal, estadual e municipal e possui a finalidade de articular, propor, implementar, monitorar e avaliar o Plano Municipal de Atenção aos imigrantes. Na sua composição, diversas entidades locais interessadas no cenário migratório foram convidadas a compor o comitê, na condição de membro convidado.


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