Roteiro de vida para transformar sonhos em realidade

Com 22 anos de PUCRS, professor Francisco Kern é o entrevistado desta edição da News Em Comunidade

Foto: Camila Cunha

Foto: Camila Cunha

Filho de agricultores entre 12 irmãos, Francisco Arseli Kern, o professor Chico, dedica sua vida ao combate a qualquer forma de preconceito, à defesa da igualdade e justiça social e ao cuidado humano. Aos 18 anos, deixou sua cidade natal Linha Almeida, em Boa Vista do Buricá (RS), para ingressar no Seminário São Vicente Palotti, Palotina (PR). Trabalhou como missionário na Igreja Católica em Nortelândia (MG), diretamente com famílias e comunidades rurais que atuavam no garimpo. “Foi uma experiência ímpar na construção da minha personalidade e identidade como cidadão e condição humana”, conta.

Em 1989, ingressou no curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina e, como forma de sustento, vivia em um abrigo para crianças e adolescentes, onde cuidava dos mesmos em troca da moradia e refeições. O professor Chico nunca encontrou barreiras para realizar seus sonhos. Com o objetivo de crescer profissionalmente, mudou-se para Porto Alegre em 1994, para iniciar o mestrado na PUCRS. “Cheguei com uma mala de roupas e outra de livros e fui morar numa pensão na Rua Portugal”, lembra. Na época, estudava de tarde e trabalhava manhã e noite em um bar de esquina na Av. Assis Brasil em troca do almoço e da janta. “No começo foi difícil, pois nem dinheiro para comprar talheres eu tinha. O pouco que eu ainda tinha guardado, usava para vale transporte e xerox. Foi necessário comer arroz e feijão ao meio-dia com a régua. A carne deixava para a janta, junto com dois pãezinhos”, revela.

Trajetória de sucesso

Seu esforço foi recompensado quando, mais tarde, recebeu bolsa do CNPq. Assim, pôde alugar um JK próximo à Universidade. Ao concluir o mestrado em Serviço Social, foi convidado a dar aulas na PUCRS, em 1996, e na Ulbra (onde atuou até 2006), começando sua primeira experiência como docente no ensino superior. “Escrevi uma carta para minha família contando que estava trabalhando na PUCRS. Minha irmã respondeu enaltecendo o ingresso na Universidade como professor e disse ‘antigamente, quando trabalhávamos na roça, a PUCRS era algo muito distante de nós, como se nunca chegássemos até lá. Hoje, tu estás lá dentro trabalhando, parabéns’”, recorda com carinho.

Com um pertencimento muito forte a uma rede de apoio e de relações que impactaram na sua caminhada, conferindo sentidos e significados de uma vida que se constrói e reconstrói diariamente, professor Chico ressalta que valores humanistas e religiosos foram sua base e referência para a sua trajetória e, apesar de algumas dificuldades, nunca se permitiu voltar. “Não acredito em destino, porque destino sempre é fatalista. Um roteiro de vida nos permite a autoria e nosso posicionamento diante de fatos e situações que requerem que sejamos sujeitos da nossa própria história.”

Atualmente, professor Chico coordena o Curso de Serviço Social, da Escola de Humanidades, atua na Ouvidoria Institucional, no Centro de Atenção Psicossocial (CAP) e na Coordenadoria de Assuntos Comunitários, vinculada à Proex. “Eu vibro em sala de aula, ou em qualquer espaço da Universidade, quando percebo e sou testemunha de estudantes que se descobrem como sujeitos de suas histórias e percebem que podem fazer a diferença, que o sonho vale a pena ser sonhado e projetado”, garante.

Amor pelos animais

Fã de novelas, quando não está no trabalho, professor Chico gosta de ficar em casa ou na praia, assistindo a esses programas, a filmes e a documentários na companhia da cachorrinha Meg, que tem uma história interessante. “Alguns anos atrás, a mãe dela morava nos fundos da nossa casa e era muito brava. Aos poucos, fomos conquistando-a com comida e, numa noite de muita chuva, ela ficou deitada em frente ao nosso portão. Sem dúvida, o portão foi aberto, ela entrou e nunca mais saiu. Meg nasceu da última cria e sua mãe faleceu de câncer de útero. A Meg foi doada e depois abandonada à sorte na rua. Ao reencontrá-la, e ela me reconheceu, não tive dúvida: ela veio morar em nossa casa e hoje é muito bem cuidada.  É nossa garota bandida, porque não pode passear à noite sob pena de sempre trazer um ‘presente’ na boca. Nós a amamos”, afirma.

O amor pelos pets é de longa data e tem como protagonista o Lord, cachorro da raça Lhasa Apson que viveu por 14 anos sob os cuidados do professor Chico, até 2016. “Foi um intenso aprendizado de acolhimento, de afeto, de ternura, de compartilhamento de sentimentos, de compreensão de linguagens mudas e silenciosas, de cuidados de um para com o outro. Tornei-me uma pessoa melhor com a convivência com ele”, reconhece.