Primeiro beneficiado: Educandário São João Batista atende crianças e jovens de zero a 21 anos

InovaçãoFOTO: BRUNO TODESCHINI

Voz a quem não tem

CriaLab e HP desenvolvem aplicativo Falaê gratuito para comunicação alternativa

Por Vanessa Mello

Dizer que está com fome, pedir água gelada ou avisar que não gosta de uma fruta são ações comuns do dia a dia que passam despercebidas. Mas, para algumas pessoas, poder expressar sentimentos, emoções e se comunicar é um desafio. Para esse público, existe a comunicação alternativa, utilizando cores e símbolos padrões que indicam verbos, sentimentos, objetos e ações. Essa interação agora foi facilitada pela empresa HP e Laboratório de Criatividade (CriaLab), do Tecnopuc, que desenvolveram o aplicativo Falaê, a pedido do Educandário São João Batista, em Porto Alegre, que atende crianças e jovens de zero a 21 anos, portadores de deficiência. Diferentemente dos aplicativos existentes, esse será gratuito e personalizável.

Tudo começou com o projeto 40 days of doing good (40 dias para fazer o bem), lançado mundialmente pela HP para seus funcionários. A proposta era resolver problemas de educação para camadas sociais mais vulneráveis economicamente. “Entramos com a ideia do aplicativo em função da demanda do Educandário, com quem já trabalhamos há tempo. Os apps de hoje são pagos, e os que têm download gratuito exigem taxa de manutenção. Como as famílias dessas crianças não têm condições de pagar licença de uso, nossa ideia foi desenvolver algo totalmente gratuito”, conta Edson Nery, gerente de programas da HP.

Para a criação do aplicativo, a equipe do CriaLab e de engenheiros de software da empresa realizou diversas visitas ao Educandário, acompanhou sessões com as fonoaudiólogas, entendeu como cada criança utilizaria o app, conversou com especialistas e pesquisou as soluções existentes no mercado. “Eles tiveram uma visão sistêmica muito boa e todas as dificuldades que tínhamos nos outros apps solucionaram com o Falaê”, celebra a fonoaudióloga Cíntia Santos, há 15 anos na entidade.

Desenvolvido com foco para uso no sistema Android, por oferecer aparelhos de custo mais baixo, suportado a partir da versão 4, o que não requer que o tablet ou smartphone seja de último modelo. Em 40 dias, a aplicação ficou 95% pronta e foi colocada em teste no Educandário, sendo utilizada diariamente com cerca de dez crianças.

Construção do indivíduo

Os aplicativos de comunicação alternativa mudam a forma de a pessoa se relacionar com o mundo, oferecendo autonomia e independência. Por não conseguirem se expressar, muitas crianças não se enxergam como indivíduo, mas com o uso dessas ferramentas entendem que são alguém ao conseguirem manifestar suas preferências. O Falaê se adapta ao desenvolvimento cognitivo de cada um. Os ícones podem ser alterados e até uma imagem específica ser atribuída a uma palavra. “Essa personalização é importante e pontual. Ver o semblante de vitória do paciente, que geralmente é de prostração, é fantástico”, relata a relações públicas Priscila Gauto, que atua no Educandário há nove anos.

A fonoaudióloga Cíntia percebe uma evolução cognitiva com quem utiliza o Falaê. “O aplicativo possibilita se constituir e se pronunciar. Há um desenvolvimento muito grande, tanto da comunicação quanto da formação psíquica e cognitiva, ao pensar para fazer escolhas”, explica.  Consegue-se mostrar para as famílias que os pequenos podem se comunicar de outra forma, não só pela fala, mas apontar, olhar, piscar. Isso faz com que tenham independência em casa.

Evolução

Comunicação de Aline evoluiu com o app

FOTO: ROGER OLIVEIRA/DIVULGAÇÃO

Aline Rodrigues dos Santos tem 15 anos e frequenta o Educandário há muito tempo. Ela utilizava a comunicação alternativa de baixa tecnologia (pranchas impressas), mas não demonstrava interesse. “A primeira vez que mostrei a Aline um app ela ainda não tinha o uso da mão treinada, mas com os olhos indicou nas imagens que queria água gelada. Era um dia quente de verão e pensei quantas vezes ela desejou tomar água gelada e recebeu na temperatura ambiente”, recorda Cíntia.

Quando foi apresentada ao Falaê, Aline foi muito rápida. Hoje ela se posiciona mais e a família relata vocalizações em casa, algo que até então não ocorria. “A literatura diz que, se a criança não vocaliza até os sete anos, é porque a lesão na parte de fala é grande e provavelmente não conseguirá oralidade. Aline e outras crianças, através do app, conseguiram organizar o pensamento e começaram com vocalizações”, celebra a fonoaudióloga. Ao trabalhar a conscientização de que precisava aprender a dobrar e esticar o braço para usar o aplicativo, Aline desenvolveu a parte motora e agora desenha e pinta em casa. Na escola especial que frequenta, as professoras também observaram mudança de comportamento dela, que agora se comunica mais.

Como funciona o Falaê

Imagens ajudam a indicar sentimentos, objetos e ações

FOTO: ROGER OLIVEIRA /DIVULGAÇÃO

O Educandário São João Batista trabalha com comunicação alternativa de baixa tecnologia (fichário de papel em que se acrescentam páginas à medida que a criança aumenta o vocabulário) há mais de 20 anos. Os aplicativos começaram a surgir cerca de seis ou sete anos atrás, compilando para o digital a linguagem padronizada mundialmente.

O Falaê replica essa realidade dos livros de forma totalmente configurável. É possível escolher quantas imagens aparecem por tela, se a criança tocará na tela (em qualquer parte) para indicar o que deseja comunicar ou se piscará quando a imagem desejada estiver em destaque (modo varredura), o tempo de transição de uma figura para outra, trocar itens e a ordem em que aparecem. Além disso, é possível adicionar quantos itens forem necessários, acompanhando a evolução de vocabulário do usuário sem a necessidade de deletar material ou pagar por espaço em nuvem. Ainda, o app suporta versões em português e em inglês.

Para garantir que a aplicação seja totalmente gratuita, a equipe da HP fez contato com a empresa Devopers, que fornece soluções em nuvem. A ideia é precisar de internet apenas no primeiro acesso, para sincronizar informações criadas na web, justamente para atender família com baixo poder aquisitivo”, revela o engenheiro de software da HP, Matheus Longaray.

A proposta, segundo Longaray, é oferecer o projeto para todas as entidades que necessitem do aplicativo em uso educacional. “O código estará disponível para quem quiser baixar. Qualquer instituição desse tipo poderá fazer download, usar e personalizar, sempre voltado para comunicação alternativa”, destaca.

Os diferenciais do aplicativo

  • Totalmente gratuito e personalizável;
  • Possui tela de apresentação; a criança pode colocar sua foto, nome, idade, cidade onde mora e como deseja se introduzir para alguém;
  • Sem limite de espaço para expandir vocabulário. Não é necessário deletar itens para acrescentar novas informações;
  • Utiliza nuvem, portanto não requer muito espaço do tablet ou smartphone;
  • Também funciona em smartphones e não apenas em tablets;
  • Não requer internet para o uso diário, apenas para instalação e atualização;
  • Código disponível para download.

Unindo forças

Time parceiro tem integrantes do CriaLab, da PUCRS, e da empresa HP

FOTO: ROGER OLIVEIRA/DIVULGAÇÃO

O CriaLab e a HP são parceiros há muitos anos e atuam em diferentes times no desenvolvimento de experiências e soluções. A equipe multidisciplinar foi formada por Ana Berger, Daniela Szabluk e Manuela Oliveira, do CriaLab, e Edson Nery, Kelly Mello, Leandro Manica, Matheus Longaray, Marcelo Correa, Taís Bellini e Tomaz da Silva, da HP. “O viés da equipe é buscar impacto efetivo social e, quando surgiu a possibilidade de trabalhar no projeto do Educandário, a identificação foi imediata”, conta Ana. “A parceria foi essencial para criar a marca e definir as habilidades do aplicativo. Somos desenvolvedores e temos uma mente mais voltada para essa parte. As meninas do CriaLab têm uma visão mais ampla. Elas realizaram testes com usuários aleatórios e nos deram o feedback, endereçando sugestões para o aprimoramento”, completa Longaray.

As integrantes do CriaLab pensaram e desenvolveram a marca do app, como um produto com padrão visual, de forma que pudesse ter continuidade, sendo usado por outras entidades. A área de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia da PUCRS atendeu à questão de registro de marca e de autoria das telas. “A marca está registrada no INPI em nome do Educandário. A aplicação que vai rodar embaixo da marca é livre e a marca servirá para garantir maior visibilidade ao Educandário”, enfatiza Nery.