Universidade Aberta

O cliente tem sempre razão?

Grupo estuda mecanismos que levam consumidores a se comportarem de forma desonesta

Ao passar no caixa para pagar uma compra, o atendente dá troco a mais. Você devolve o dinheiro? Ao entrar em um bar ou restaurante, recebe duas comandas por engano. Fica com as duas? Ao se hospedar em um hotel, avisa os funcionários que levará para casa uma das toalhas fornecidas? Faz download de CDs, jogos ou programas de computador sem a permissão do artista ou criador? Essas são apenas algumas das 37 alternativas listadas pelo Grupo de Estudos em Comportamentos Disfuncionais do Consumidor, do Programa de Pós-Graduação em Administração, da Escola de Negócios.

Com mais de um ano de existência, o grupo conduz uma série de pesquisas sobre comportamentos desonestos dos clientes em geral. Artigos sobre o tema foram apresentados em congressos nacionais e internacionais. Segundo o professor e coordenador da equipe, Lélis Espartel, varejistas do mundo inteiro enfrentam sérios problemas nesses casos. Uma pesquisa da National Retail Federation, aponta que, só nos EUA, o prejuízo com devoluções fraudulentas superou os US$ 9 bilhões em 2015. “A corrupção está nas pequenas coisas, como furar fila, ultrapassar pelo acostamento, passar sinal vermelho, colar em prova, plagiar trabalhos acadêmicos. Se apropriar da ideia de alguém é roubo de propriedade intelectual. Esses comportamentos condenáveis são imorais, antiéticos, disfuncionais, desonestos. E não são identificados apenas no Brasil”, ressalta.

Efeito dominó

Uma das pesquisas do grupo, formado por mestrandos, doutorandos e bolsistas de iniciação científica, avaliou a reação de clientes expostos a um comportamento disfuncional de um terceiro e a probabilidade de repetirem o ato. Um estudo experimental comparou o comportamento das pessoas envolvendo fraude em seguro de bagagens.

Para o primeiro grupo, foi apresentada a situação em que um cliente com bagagem perdida em uma viagem aérea acionava a companhia de seguro e informava um valor seis vezes superior ao conteúdo da mala extraviada. Uma cláusula do contrato não permitia que a empresa tivesse acesso ao raio X do aeroporto, tendo de pagar a quantia solicitada pelo cliente. Quando questionados se fariam o mesmo, na amostra de 93 respondentes, a média de valor indicado foi quase três vezes maior que o contratado inicialmente. “Simplesmente por ouvirem um relato disfuncional, demonstraram desvio de comportamento”, comenta Espartel. No segundo grupo, foi adicionado um risco percebido: o acesso ao raio X do aeroporto pela empresa de seguros. Nesse caso, a probabilidade de repetir o comportamento disfuncional foi menor.

Participaram 121 pessoas da coleta de dados on-line, realizada pela ferramenta Mechanical Turk. O instrumento da Amazon é aplicado principalmente com respondentes norte-americanos, chineses e indianos. “Por que as pessoas agem dessa forma? A cultura pode influenciar nos atos, mas não é a única explicação. Queremos entender esse comportamento e buscar aplicabilidade gerencial, especialmente para o varejo”, diz Espartel.

“Criticamos o pensamento do cliente rei, sempre com a razão, que se estabeleceu nas últimas décadas.”
Lélis Espartel

Soberania do cliente

Outra pesquisa critica a soberania do cliente, o que, segundo o professor, vai um pouco contra a política de marketing atual das empresas. “Criticamos o pensamento do cliente rei, sempre com a razão, que se estabeleceu nas últimas décadas.”

O estudo experimental comparou dois grupos de consumidores. O primeiro teve acesso a uma reportagem de empresa fictícia com a afirmação de que o cliente sustenta o negócio. O segundo recebeu uma reportagem sobre tratamento igualitário, no qual, se o consumidor não tiver razão, a empresa fica do lado do funcionário.

Os participantes do primeiro grupo consideraram mais aceitáveis comportamentos antiéticos, como furar a fila se estiver com pressa e xingar um funcionário quando erra o pedido. “Mensagens como ‘o cliente sempre tem razão’ podem trazer efeitos negativos à operação”, destaca Espartel. Novas coletas de dados estão sendo conduzidas, além de testes sobre possíveis mecanismos explicativos para esse comportamento, como desinibição, foco em si mesmo e desaprovação social. “Acreditamos que uma (ou mais) dessas variáveis nos ajudará a entender o efeito do poder no consumidor”, prevê.

Outros estudos abordam o conceito de Efeito Robin Hood para explicar comportamentos disfuncionais contra grandes empresas que não se repetem com lojas menores. A equipe conta com a participação de professores de outras instituições, como a UFRGS e a Faculdade Meridional, de Passo Fundo.