Escrita Criativa

Produção experimental dos alunos do curso de Escrita Criativa da PUCRS selecionada pelo professor Bernardo Bueno.

Final Feliz

Finos raios de luz lunar penetravam entre as árvores e a densa neblina. Lobos uivavam. A velha já não tinha medo de lobo há muitos anos. Caminhava com a luminária em mão. Dela, uma fraca luz carmesim era emitida, colorindo a névoa. A outra mão ia enfiada no bolso, manuseando e brincando com duas moedas de prata. A cada passo ela caminha mais devagar, e a luz da luminária, como uma fogueira morrendo, evanesce instante a instante. O riacho era estreito e raso. Do outro lado, alguém a observava. Alguém esquecido pelo mundo, uma sombra de uma sombra. A figura fica ali, de pé e estática, sem falar, apenas observando. A velha parou por um instante, deixando que a corrente do frio vento noturno acariciasse seu corpo cansado. Baixou o capuz vermelho e tornou seu olhar para a água, observando seu reflexo tingido de rubro. Quando a escuridão tornou-se total, ela continuou andando, brincando com as moedas, segurando a luminária apagada. Ela não precisaria de luz aonde estava indo.

Lucas Viapiana Baptista
2º semestre de Escrita Criativa
[email protected]

Para você, que conversa com as paredes
O quanto elas falam? Se for muito, tudo bem, é um bom começo. Se forem aos poucos, como se quisessem te conhecer melhor, acho que podemos dizer que não tem mais volta. Vou te contar como foi comigo. Primeiro me contaram sobre uma dimensão mágica. Aos poucos fui descobrindo mais sobre cada um deles. Alguns chamam de monstros, tipo aqueles a que nossos pais devem assistir em filmes antigos. Me falaram bastante sobre suas formas, seus poderes, sobre seus territórios. Isso não pode ser criado pela mente de uma criança. Isso existe, em algum lugar. Talvez sejamos escolhidos para dar vida a essas coisas. Criar um lar para elas. Crianças são sensíveis. Por isso somos escolhidos, as vozes das paredes tentam buscar algo na gente. Os adultos normalmente perdem isso se as ignoram. Por isso eu te peço: não ignore. Pode ser solitário, mas te garanto que vale a pena. Por isso, me fale. Me fale se dançarem. Me fale a cor dos olhos deles. Talvez esteja vendo um mundo diferente do meu. Contemple a escuridão. Você tem medo dela? Eu tenho, mas ela é confortável. Não estamos sozinhos. Existe muito mais do que os olhos podem ver. Só vemos uma parte, com o canto dos nossos olhos. Existe muito mais. Não se assuste. Eles podem ter aparências diferentes, mas, lá no fundo, só querem existir. Não podemos negar a existência nem do mais terrível monstro. É nosso trabalho. Aceitar essas criaturas e achar um lugar para elas poderem fazer o que fazem. Entende o seu poder? O poder que nós, seres humanos, escolhidos por essas criaturas grandiosas, temos? O poder de criar. De ir além do que é considerado normal. Não sei quantos anos você tem, mas eu vivi vidas demais, por isso passo para você. Essa longa jornada até o desconhecido. Agora é sua vez. Não tenha medo. Não fuja. Iremos nos ver um dia, quando encontrarmos nosso devido descanso. De alguém que, na infância, também falava com as paredes. Gustavo Rosa 3º semestre de Escrita Criativa [email protected]

Para você, que conversa com as paredes

O quanto elas falam? Se for muito, tudo bem, é um bom
começo. Se forem aos poucos, como se quisessem te conhecer
melhor, acho que podemos dizer que não tem mais volta.

Vou te contar como foi comigo. Primeiro me contaram
sobre uma dimensão mágica. Aos poucos fui descobrindo
mais sobre cada um deles. Alguns chamam de monstros, tipo
aqueles a que nossos pais devem assistir em filmes antigos.
Me falaram bastante sobre suas formas, seus poderes, sobre
seus territórios. Isso não pode ser criado pela mente de uma
criança. Isso existe, em algum lugar. Talvez sejamos escolhidos
para dar vida a essas coisas. Criar um lar para elas.

Crianças são sensíveis. Por isso somos escolhidos, as
vozes das paredes tentam buscar algo na gente. Os adultos
normalmente perdem isso se as ignoram. Por isso eu te peço:
não ignore. Pode ser solitário, mas te garanto que vale a pena.

Por isso, me fale. Me fale se dançarem. Me fale a cor
dos olhos deles. Talvez esteja vendo um mundo diferente
do meu. Contemple a escuridão. Você tem medo dela? Eu
tenho, mas ela é confortável. Não estamos sozinhos. Existe
muito mais do que os olhos podem ver. Só vemos uma parte,
com o canto dos nossos olhos. Existe muito mais.

Não se assuste. Eles podem ter aparências diferentes,
mas, lá no fundo, só querem existir. Não podemos negar a
existência nem do mais terrível monstro. É nosso trabalho.
Aceitar essas criaturas e achar um lugar para elas poderem
fazer o que fazem.

Entende o seu poder? O poder que nós, seres humanos,
escolhidos por essas criaturas grandiosas, temos? O poder de
criar. De ir além do que é considerado normal. Não sei quantos
anos você tem, mas eu vivi vidas demais, por isso passo
para você. Essa longa jornada até o desconhecido. Agora é
sua vez. Não tenha medo. Não fuja. Iremos nos ver um dia,
quando encontrarmos nosso devido descanso.

De alguém que, na infância, também falava com as paredes.

Gustavo Rosa
3º semestre de Escrita Criativa
[email protected]

Poesia não poética

Ontem você me disse
Que poesia era feita de palavras bonitas
Eu discordo.

Porque quando vejo sua
Crista ilíaca
Ela me lembra de poesia

Quando você elogia o meu
Osso zigomático
As palavras derretem em mim
Sumarentas

E quando tudo se dissolve em um
Estado obnubilado
Sei que existe poesia
Nas coisas mais estranhas
Nas coisas mais certinhas

Sei que existe poesia
Em nós.

Anna Carolina Viduani
2º semestre de Escrita Criativa
[email protected]

Reconstrução

Trouxe desordem e lama
Assim foi tratado meu coração
O desamor cantado e proclamado
Fechou-se o livro, terminou a história

A lágrima vem feito chuva que não cessa
Inundando o terreno da dor
Pedras, incertezas, tristezas
Decepção por ter investido caro em retorno muito barato

Mas depois é tempo de reconstruir
Em busca do sol, fazer secar toda mágoa
Toda a água que afogava a paz

Aqui o senhor não entra mais
A casa está limpa, a casa está linda
Aguardando a visita de um bom rapaz

P. T. Silva
2º semestre de Escrita Criativa
[email protected]

Produção experimental dos alunos do curso de Escrita Criativa da PUCRS selecionada pelo professor Bernardo Bueno.