Escrita Criativa

Conto, miniconto e poema de alunos

Produção experimental dos alunos do curso de Letras e de Escrita Criativa da PUCRS selecionada pelos professores Bernardo Bueno e Regina Kohlrausch

Untitled (Blue Period) from the series “Beneath the Roses”

A combinação cama, criado-mudo, armário embutido, abajur e decoração genérica sugeria um quarto de hotel. As malas e frasqueiras dispostas pelo ambiente completavam a cena. A mulher em pé, nua, de olhar perdido e tremendo de frio no banheiro quebrava a trivialidade do momento. A razão daquela imobilidade reflexiva apenas saberíamos se pudéssemos voltar no tempo.

Ela volta ao quarto andando de costas, veste as roupas que estavam largadas de forma displicente no chão, fecha as malas, abre a porta, recolhe da mão do mensageiro a gorjeta, esse pega as malas e coloca no carrinho, eles andam pelo corredor até o elevador, descem ao térreo, se dirigem à recepção, ela conversa com a atendente e podemos retomar o sentido natural das coisas a partir de agora.

– Bom dia, senhora.
– Bom dia. Meu nome é Anna Dartora. A reserva deve estar em nome de Daniel Ferri.
– Perfeitamente. Quarto 53, quinto andar, o rapaz acompanha a senhora. Pode deixar que ele leva as malas.
– Poderia me dizer se o Daniel já chegou?
– Ele chegou, avisou que a senhora ia chegar também, mas já foi.
– Ele saiu? Faz tempo?
– Uma hora atrás, mais ou menos.
– Ele… levou as malas?
– Ele não trouxe malas, senhora.

Anna acompanha o mensageiro até o elevador, ele empurrando o carrinho com as malas, ela com semblante preocupado. Chegando ao quarto, ele deixa as malas sobre um aparador, Anna agradece e dá uma gorjeta. Fecha a porta. Sobre o criado-mudo há uma nota, ela lê. Abre uma mala, retira uma frasqueira, pega um objeto dela. Despe-se, largando as roupas de forma displicente pelo chão. Vai ao banheiro e lá fica, de pé, nua, olhar perdido e tremendo de frio.

Jairo Loewenstein
Atividade feita em aula na disciplina Escrita Criativa: Fundamentos – construir uma narrativa a partir de uma obra (livre escolha) do fotógrafo Gregory Crewdson

Não deixe ela matar você também.
Denuncie.

Gostaria de denunciar anonimamente Emma Bovary, por homicídio doloso duplamente qualificado. Ela não só tentou me matar como também me envenenou moral e socialmente. Utilizou palavras cruéis, com um motivo torpe, para julgar as escolhas que eu decidi tomar, ou melhor, as escolhas que não lhe agradaram. Tentou convencer-me de que eu não precisava existir se não fosse para estar ao seu lado, seguindo as ordens para cumprir seus desejos. Crime passional. Invejava o modo como eu amava a outrem, o modo como eu sentia tudo que me apresentavam, invejava minha existência. Eu a abandonei logo, mas não foi o suficiente. Perseguia-me, perguntava-me se eu ainda mantinha minhas escolhas, ofendia minha integridade física e psicológica com seu veneno linguístico. Tentei me aprisionar em pensamentos e não consegui dividi-los com mais ninguém. A dor pertencia a mim e a mais ninguém. Envenenava-me com suas palavras diariamente e eu já morria silenciosamente. Sem a escolha de viver, ela me condenou à morte e a sua companhia semestral. Morri sem ter o direito de matar quem me matava dia a dia com seus mandamentos vitais.

Jaísa Girardi Morais 
Graduanda em Letras. Busco diariamente as letras em minha vida. A propósito o que é a vida? Por que existimos? Tenho 19 anos com aspecto mental de 91. Nasci em Porto Alegre, mas moro na Região Metropolitana. Também costumo morar em outros lugares da minha mente. Escrevo para aliviar minha alma dos estresses mentais. 

Melhor deixar pra trás

e quando eu dizia que queria
ser atriz
era mentira
jamais teria tamanha desenvoltura
(melhor deixar pra trás)
e quando eu dizia que queria
emagrecer
era pura mentira
não me importo de refazer o guarda-roupa
(melhor deixar pra trás)
e quando eu dizia que queria sair de casa cedo
era pura mentira
tenho vinte e um e tomo mamadeira
(é melhor deixar pra trás)
e quando eu dizia que assistiria um bom filme
era pura mentira
é tão bom procrastinar
(é melhor deixar pra trás)
e quando eu dizia um “eu te amo”
“a gente se vê”
“que saudade, meu amor”
você já sabe a resposta
era pura mentira
nunca daria certo
talvez deu certo demais
foi melhor deixar pra trás

Mariana Soletti da Silva 
Tenho 22 anos, sou formada em Jornalismo pela PUCRS e, agora, estou no primeiro semestre de Letras. A literatura é minha área de interesse majoritária. Estou realizando um voluntariado em uma bolsa de Iniciação Científica sobre a literatura negro-feminina de mulheres periféricas no Rio Grande do Sul.