Jornalismo Lab

A fila mais demorada

Mais de 8 milhões de pretos e pardos estão desempregados no Brasil, representando mais da metade da estatística

TEXTO: HEBERT GARCIA | Agência J de Reportagem do curso de Jornalismo FOTO: NÍCOLAS CHIDEM

O peso no ambiente do Sine (Sistema Nacional de Emprego) era alimentado pelas caras fechadas e ansiosas de quem esperava pela sua senha ser chamada. A sede, na Avenida Sepúlveda, s/nº, Centro de Porto Alegre, atrai centenas de pessoas todos os dias interessadas em acabar com o flagelo do desemprego. Desde 2014, o Brasil vive sob a sombra de uma recessão econômica severa e viu o número de desempregados passar de 6,7 milhões para mais de 13 milhões em quatro anos.

Na longa fila de anônimos, quatro personagens. Cidadãos de situações de vida totalmente diferentes, à procura de qualquer serviço. As pessoas retratadas nessa reportagem têm pelo menos duas coisas em comum: a cor da pele e a discriminação sentida graças a isso.

Ana Lúcia Souza, 57 anos, está desempregada há dois e vive de bicos como faxineira. Mora em Eldorado do Sul por necessidade, já que ficou difícil pagar o aluguel na Capital. Hoje é sustentada pela filha mais nova, de 15 anos. “É uma pensãozinha da minha guria que eu não posso recusar, né?”

Com olhos lacrimejantes e voz trêmula, lamenta que os filhos mais velhos não a ajudem. Conta que diversas vezes passou por situações constrangedoras nas entrevistas em busca de uma vaga. “Já vi pessoas dizerem que vão me ligar e quando viro as costas, rasgam o currículo.”

Além de ser negra, Ana também pensa que o fato de ser mais velha dificulta a contratação. “Sempre querem pessoas novas e claras. Quando alguém vem procurar emprego, não deveria importar a idade, mas se quer trabalhar ou não.”

TRABALHO INFORMAL

Ubirajara Rosa, 44 anos, voltou de Torres, no litoral Norte gaúcho. Lá trabalhou como garçom em um restaurante, sem carteira assinada. Também teve de recorrer ao trabalho informal. “Eu trabalhava quase todos os dias, mas de freelancer. Como eles não têm uma clientela estável, não assinam a carteira de ninguém.”

Sobre a discriminação na hora de procurar emprego, ele observa que muitas pessoas talentosas são deixadas para trás por serem negras, embora tendo a mesma qualificação de um candidato branco. “Você sempre vai ser trocado pelo cara mais bonitinho. Todo mundo sabe disso. Se alguém tem dúvida, não sabe encarar a realidade como ela é.”

Com o Ensino Médio completo, Ubirajara tem o sonho de trabalhar como jornalista, mas, assim como para a maioria da população negra no Brasil, o acesso ao Ensino Superior é um sonho distante. “Vou prestar vestibular. Entrar na Faculdade é um objetivo pessoal. Como estou desempregado, vou procurar um pré-vestibular gratuito.”

DESAFIO À REALIDADE

Mas nem todos os negros estão à margem do Ensino Superior. Há quem desafie essa realidade. É o caso de Dionathan Soares, 20 anos, estudante de Psicologia. No primeiro semestre do curso, ainda não pode estagiar na área, mas já trabalhou como jovem aprendiz. Contribuía nas despesas da casa e também na mensalidade da Faculdade. Agora, o futuro psicólogo procura uma nova vaga. A cor da sua pele, no seu ponto de vista, influencia bastante na hora de escolher quem vai ser empregado. “Se um rapaz ou uma moça negros procuram emprego com um candidato branco, esse será escolhido.” Ele diz que nunca sofreu isso explicitamente, mas pode sentir.

“A desigualdade racial está em tudo o que a gente faz. Agora mesmo, fui comprar um salgadinho e o segurança da loja me olhou como se eu fosse roubar”, lamenta Deivison Silveira, 35 anos. Desempregado há mais de seis meses, precisou vender os poucos utensílios domésticos para ter o que comer.

“Semana passada vendi meu micro-ondas para ter uma semana de almoço e passagem de ônibus. Se a entrevista de emprego é na Zona Sul, gasto R$ 20 de passagem”, afirma. Ele chegou a ser morador de rua e recusou as ofertas de traficantes onde mora para se juntar a eles. Para economizar o dinheiro da passagem, muitas vezes percorre a pé os 11 km que separam o bairro Sarandi do Centro. O que o move nesse caminho? “Meus dois filhos. É isso que não me fez desistir.”

Negros têm baixa presença entre executivos

Em 2016, o Instituto Ethos realizou o estudo Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. O perfil constatou que os negros, de ambos os sexos, representam apenas 34,4% de todo o quadro de pessoal entre as empresas analisadas.

O estudo também mostra que, enquanto os negros têm uma presença expressiva entre os aprendizes (57,5% nesse nível), há um afunilamento hierárquico entre os níveis mais elevados do quadro das empresas: a diferença, entre brancos e negros, é de 94,2% no quadro executivo e 94,8%, no conselho de administração.