11 de Outubro de 2019
  • Diário de Canoas
  • Reportagem
  • P. 12
  • 340.00 cm/col

Um lugar para comer mirtilo direto do pé

Até novembro, os frutos cultivados por Ilgo João Kopplin, estarão no ponto para a colheita na granja Caminhos do Mirtilo, em Guaíba

A plaquinha de madeira na entrada da propriedade dança acompanhando a melodia do vento: Caminhos do Mirtilo - Granja Santa Inês, em Guaíba. Depois de alguns quilômetros de estrada de chão, chegamos ao que Ilgo João Kopplin chama de “uma reserva extrativista”. São 56 hectares de natureza exuberante, onde há cerca de 20 anos ele se dedica a cultivar frutas exóticas, entre elas, o mirtilo, raridade no Rio Grande do Sul. A época é de floração dos pequeninos frutos arroxeados, que até o final de outubro devem estar no ponto para a colheita. São cinco hectares de árvores recheadas de flores por onde passeiam abelhas, borboletas, besouros e beija-flores.

Maravilhas para a saúde

Morador de Canoas, ele conta que o interesse pelo mirtilo surgiu quando o irmão mais velho teve Parkinson e Alzheimer e Ilgo decidiu introduzir a fruta em sua dieta. Com a melhora dos sintomas, ele foi atrás de pesquisar mais sobre os valores nutricionais do mirtilo. E descobriu, entre outras coisas, que o pequeno fruto é um dos mais ricos em antioxidantes - muito potentes no combate aos radicais livres, excelente para preservar a saúde dos olhos e a beleza da pele, além de possuir muitas outras propriedades nutritivas.

Ainda entre seus achados, ele conta uma história inusitada. Diz que durante a Segunda Guerra Mundial a Alemanha estava destruindo Londres com bombardeios noturnos. Naquela época, não existia GPS. “Estava todo mundo desesperado. Como eles estavam acertando os alvos à noite? É que os oficiais alemães, antes de sair para a batalha, faziam uma farta refeição de mirtilos”, relata, destacando as maravilhas da fruta para a visão.

Terapia da natureza

Mas o mirtilo é apenas uma das muitas espécies de frutas que, aos 78 anos, Ilgo cultiva com a ajuda de apenas um funcionário. São cerca de 12 a 13 horas de trabalho por dia. Ele já foi fotógrafo e trabalhou com mineração e diz que começou a mexer com a terra por amor à natureza. “Eu tive câncer e me curei trabalhando aqui”, revela. Entre as muitas maravilhas espalhadas pelo seu pomar é possível encontrar jabuticaba, guabiroba, laranja, maracugina, maracujá, pêssego, macadâmia, castanhas, noz pecan, banana, pêssego, amora e grumixama (uma cereja da mata atlântica, em extinção) e várias outras espécies de frutas.

Com certificado orgânico da Associação dos Produtores da Rede Agroecológica Metropolitana (Rama), ele comercializa mudas e frutas na própria granja e na feira orgânica do Bom Fim, em Porto Alegre, mas a ideia é colocar os produtos também em supermercados.

“Quando você vai fazer compras, o que te atrai na prateleira? A lata de salsicha ou uma fruta?”, questiona. De acordo com Ilgo, as pessoas não estão consumindo saúde. Por isso, ele está em busca de parcerias que o ajudem na conscientização por uma vida mais natural e também quer compartilhar as belezas de sua granja. “Pretendo fazer o tombamento da propriedade como reserva florestal ainda em vida”, anuncia.

Uma de suas intenções é colocar o Caminho dos Mirtilos dentro do roteiro turístico da Grande Porto Alegre e abrir seus portões para as pessoas fazerem o que ele chama de “terapia do meio-ambiente”. Isso inclui caminhar entre as árvores, comer fruta do pé, respirar ar puro e desfrutar de paz e silêncio.

“Meu projeto para este lugar é de ´verde maluco'"

É ele mesmo quem dá nome às ideias que quer colocar em prática: “Projeto de Verde Maluco”. Amante da natureza, sua intenção é sensibilizar outras pessoas para uma vida mais próxima dela. “Mexo com isso há 60 anos, já pertenci a ONGS, Comitês, sempre enfrentando muitas barreiras. Este aqui é um projeto livre, sem entraves burocráticos e quero dividir isso com a sociedade”, declara.

Diário de Canoas - Como define este lugar?

Ilgo - Isso aqui é uma reserva extrativista. Aqui faço recuperação de vertentes (a água é cristalina), aqui tem beija-flor, abelhas, besouros, borboletas, capivara, jacaré. Isso aqui é um ninho de sobrevivência para as espécies.

DC - Quais seus planos para a granja?

Ilgo - Quero compartilhar tudo isso aqui com a sociedade, transformar em uma reserva florestal. Entre as minhas ideias está abrir a propriedade para execução de medidas ambientais compensatórias e estudos do poder público, da Embrapa, da Emater; montar uma estação atmosférica para medir a poluição do ar na região; fazer trocas de mudas e sementes; realizar eventos de conscientização, visitas, estudos e experiências e colocar este lugar no roteiro turístico da Grande Porto Alegre. Se uma ou duas pessoas que pensam semelhante a mim forem tocadas, já será uma vitória.

DC - Como costuma consumir o mirtilo?

Ilgo - Recomendo conservar o mirtilo sempre em baixas temperaturas, preferencialmente congelado. Eu, particularmente, consumo cerca de 30 a 40 gramas da fruta congelada à noite, antes de dormir. É crocante como um bombom. Ele tem uma textura picante, muito saborosa. Pra quem prefere saboreá-lo como suco, recomendo misturar com limão e menta para um contraste de sabores.

DC - Quase chegando aos 80 anos, qual o segredo para seguir tão forte?

Ilgo - Quem faz isso tudo aqui é Deus, não sou eu. Eu tive câncer e me curei trabalhando.

Pequenos visitantes muito bem-vindos

Desde o final de agosto, a bolsista de Pósdoutorado em Biologia da Unisinos, Patrícia Nunes Silva, 38, passa três vezes por semana na plantação de mirtilo de Ilgo. Com a ajuda de dois alunos de mestrado, ela estuda o comportamento dos polinizadores. Abelhas, vespas, moscas, besouros, borboletas, cambacicas (uma espécie de pássaro) e beija-flores são algumas das espécies que “visitam” as flores para que os frutos cresçam com mais qualidade e em maior quantidade.

As bolinhas arroxeadas são pura saúde

O mirtilo é uma fruta adorada pela maioria dos pesquisadores e nutricionistas e está sempre no topo da lista de recomendações alimentares por seu alto índice de nutrientes e antioxidantes.

30 a 40 gramas do fruto congelado, à noite, é o hábito e a receita de vitalidade de Ilgo, que aos 78 anos trabalha de 12 a 13 horas por dia.

Compartilhar o sabor das frutas orgânicas

Ilgo diz que quando vai para o pomar tem por princípio comer até se satisfazer, colhendo os frutos e também levando um pouco para casa. “Entro aqui e como as frutas do pé até se saciar. Minha intenção é abrir as portas da propriedade para que outras pessoas possam fazer o mesmo”.

56 Hectares de árvores frutíferas exóticas. Além do mirtilo, Ilgo planta jabuticaba, guabiroba, maracugina, amora, entre várias outras.

Não existe quase nenhum estudo sobre a cultura do mirtilo no Brasil.

Propriedade é única na região metropolitana

O estudo em andamento no Caminho dos Mirtilos é realizado em parceria pela Unisinos, PUCRS, UFSCAR e USP, com apoio da FAPESP e será realizado também por pesquisadores da Argentina e do Chile.

Pesquisadores estudam polinização

Em algumas flores são colocadas aquelas “camisinhas para bomba de chimarrão”, impedindo o pouso dos insetos, para comparar sua produção com as que foram polinizadas. “Alguns insetos a gente não conhece e precisamos levá-los para laboratório para identificar”.

20 Mil é o número de espécies de abelha que existem no mundo.

No Caminho dos Mirtilos, Patrícia colocou caixas com abelha nativas. “Se concluirmos que elas são benéficas, a ideia é estimular o uso das abelhas locais”.