07 de Dezembro de 2019
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O que causa o mau cheiro do Dilúvio

Problema deve estar ligado a excesso de material orgânico que, combinado com o calor, torna ambiente hostil aos cardumes

Que o Arroio Dilúvio agoniza com a poluição não é novidade. Mas, mesmo para quem se acostumou a ver o curso d?água castigado, o cenário que predomina nos últimos dias é impactante: centenas de peixes mortos boiando e um forte odor no trecho próximo à Avenida Praia de Belas chamam a atenção de quem circula pela Avenida Ipiranga. A situação também intrigou o poder público, que, na última terça-feira, coletou água na altura do cruzamento para tentar explicar o fenômeno.

O resultado das amostras deve levar 10 dias para chegar à Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams). Se ainda não é possível dizer o que leva à mortandade de peixes e o cheiro ruim parecerem mais intensos que em anos anteriores, a origem do problema, segundo pesquisadores, tende a ser a mesma de outros tempos. O excesso de material orgânico que consome oxigênio do arroio, combinado com o calor, torna o ambiente ainda mais hostil aos cardumes no córrego.

- Existem peixes mais rústicos, como o jundiá, que costumam resistir bem a baixas concentrações de oxigênio. Mas mesmo esses estão morrendo - observa o diretor do Instituto de Meio Ambiente da PUCRS, Nelson Ferreira Fontoura.

Ele explica que o Dilúvio tem um problema crônico de lançamento de esgoto cloacal que chega tanto pela rede mista - que representa pelo menos um quarto da carga que ingressa no Dilúvio - quanto in natura, de áreas irregulares. Quando o nível da água está baixo, e o clima, mais quente, o oxigênio também diminui, e algumas espécies não resistem.

Mapeamento

Desde junho, a PUCRS realiza o monitoramento da qualidade da água no local, e há previsão de um trabalho de mapeamento dos emissores de resíduos, que poderá servir como base para a elaboração de políticas públicas de regularização fundiária e saneamento. Até então, as análises não fogem do padrão. Segundo o professor, um dia antes da primeira leva de peixes mortos aparecer no arroio, em novembro, foi feita medição que indicou níveis semelhantes às coletas realizadas em meses anteriores:

- Nossas análises, em geral, são feitas com material coletado pela manhã. Mas à noite tudo pode mudar, porque é quando há maior consumo de oxigênio por algas, bactérias e peixes.

Conforme Fontoura, um paliativo para o problema, que se intensifica nos meses de calor, seria o conserto de barragens danificadas ao longo do arroio. Segundo ele, as estruturas ajudam na oxigenação da água ao longo do dia. Questionada sobre o assunto, a prefeitura não soube informar qual o setor responsável pelas barragens.

Já a solução definitiva levaria tempo e custaria caro. Somente para universalizar o tratamento de esgoto, que hoje é de 56%, teria de ser investido RS 1,3 bi- lhão - haveria ainda questões ligadas à regularização fundiária, responsável por parte significativa dos descartes. Em entrevista ao programa Gaúcha+ na tarde de sexta-feira, o secretário de Serviços Urbanos, Ramiro Rosário, disse que o poder público aposta na parceria com a iniciativa privada para agilizar o processo.

- Estamos formatando com o BNDES uma concessão relativa ao esgoto para ver como poderia ser implementado - disse.

Algas ficam na ecobarreira

Responsável por recolher mais de 700 toneladas de lixo que iriam parar no Guaíba nos últimos três anos, a ecobarreira localizada junto à foz do Dilúvio é o ponto mais mal-cheiroso do arroio. Isso porque a estrutura, que segura os resíduos da superfície, acaba segurando também a matéria orgânica, impedindo seu escoamento.

- A ecobarreira retém resíduos que flutuam, e isso inclui o lodo, de modo que as pessoas vão sentir de forma mais intensa os efeitos do odor desagradável naquele ponto. Seria possível liberar a passagem, como se ela não existisse, para tentar dissipar. É uma alternativa cômoda, porque nos livramos do mau cheiro, mas os resíduos iriam junto - explica Gino Gehling, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.

Para minimizar os efeitos do acúmulo de material, a Safeweb, empresa que administra a estrutura, tem realizado a abertura parcial da barreira. Das 7h às 19h, uma das três partes do suporte é liberada para o escoamento do lodo, e dois funcionários pinçam o lixo para que não chegue ao Guaíba.

- Aparece todo verão, mas não como está agora. Em outros anos, a faixa de lodo tinha poucos metros, agora passa da (Avenida) Borges (de Medeiros). Nunca tinha acontecido - observa Arno Zancanella, responsável técnico pela ecobarreira.

Conforme Gehling, mesmo a liberação total da barreira não seria garantia de solução. Sem chuva, os resíduos poderiam apenas se deslocar para perto da margem do Guaíba, infestando, por exemplo, a Orla Moacyr Scliar. A prefeitura diz que está em contato com a área técnica da Safeweb e irá avaliar a necessidade de abertura do trecho.