01 de Agosto de 2020
  • Zero Hora
  • Esporte
  • P. 33
  • 102.00 cm/col

O papel do esporte na reconstrução

Ao longo da história, guerras e pandemias sempre impactaram o esporte de um modo geral e o futebol em particular - cancelaram Olimpíadas e Copas do Mundo e, no Estado, atrasaram em um ano o primeiro Gauchão. Mas passadas as guerras e as pandemias, o esporte e o futebol ajudaram na reconstrução de sociedades traumatizadas pelas perdas.

A Olimpíada de 1916, que seria em Berlim, na Alemanha, foi o primeiro grande evento esportivo afetado devido à Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918. Pouco depois, em razão da gripe espanhola, diversas competições esportivas foram afetadas. No Rio Grande do Sul, o primeiro Campeonato Gaúcho seria disputado em 1918, mas, em razão da pandemia, acabou cancelado. A edição inaugural foi realizada no ano seguinte.

- Mas essa paralisação de 2020, em razão do coronavírus, jamais foi vista na história, porque ela paralisou praticamente todas as atividades, não só o esporte. Ainda que não seja a maior pandemia da história, que foi a gripe espanhola, ela teve a maior repercussão - contextualiza o jornalista e historiador Hudson Nogueira.

Anos mais tarde, duas edições de Jogos Olímpicos (1940 e 1944) e de Copa do Mundo de futebol masculino (1942 e 1946) foram canceladas em razão da Segunda Guerra Mundial, que se iniciou em 1939 e perdurou até 1945. O retorno da Olimpíada se deu em Londres, em 1948, no que ficou conhecido como os "Jogos da Austeridade", já que os países europeus, em especial, ainda estavam em reconstrução devido à guerra.

- Essa edição teve número recorde de participação, porque as pessoas queriam celebrar depois de um momento de trauma, de sofrimento - destaca Nogueira.

Agregador

Professor do curso de Educação Física da PUCRS e doutor em Ciências do Esporte, Luis Henrique Rolim entende que o esporte é um dos grandes elementos agregadores. Até mesmo por isso, questiona se o futebol deveria mesmo ter voltado antes que fosse possível, de fato, haver uma celebração.

- O esporte é uma ferramenta que sempre é usada como algo positivo. Ele ajuda nestes períodos pós-guerra transformando-se em um momento de celebração. Por isso, o conflito que se tem hoje. A volta do futebol em meio à pandemia não pode significar esse sentimento de celebração. Então, será que deveria ter voltado agora? Acho que não - pondera Rolim.

Depois das guerras, o esporte voltou a ser afetado com a gripe A, em 2009, e com o ebola, em 2014. Nestes dois casos, no entanto, apenas alguns países e regiões precisaram alterar seus calendários esportivos, enquanto outros, como o Brasil, mantiveram as atividades normalmente.

- Os esportes transformaram- se em espetáculos, por isso têm influência nas questões sanitárias e de saúde pública. Mas não existe algo recente que tenha impacto de maneira tão marcante como essa pandemia. Vamos ouvir falar dela pelo menos nas próximas décadas - avalia o professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e doutor em sociologia do esporte pela Loughborough University, na Inglaterra, Billy Graeff.

Um ponto em comum destacado pelos três historiadores, no entanto, diz respeito à relevância e ao significado do esporte. O professor recorda ao que ele se refere como "aura mágica" do esporte, como a partida da Seleção Brasileira no Haiti em 2004, no chamado "Jogo do Paz". Naquele momento, a partida serviu como uma campanha de desarmamento em um país que vivia uma guerra civil. Ou até mesmo os amistosos que o Santos de Pelé disputava em países conflagrados, que serviam para aliviar as tensões, como em 1969, na Nigéria, quando a passagem do time do Rei do futebol fez surgir uma trégua em um ambiente bélico.