02 de Junho de 2020
  • Zero Hora
  • Notícias
  • P. 10
  • 128.00 cm/col

Ideia de renda básica ganha força para o pós-pandemia

Apesar das dificuldades fiscais vividas pelo país, o debate sobre a criação de um programa permanente de renda básica passa a ganhar força entre políticos e economistas. No Congresso, parlamentares tentam levar adiante projetos para garantir auxílio a camadas desfavorecidas da população no pós- pandemia. A discussão leva em conta a escalada do desemprego em meio à crise do coronavírus, que tende a acentuar a desigualdade social no Brasil.

O avanço de um programa nessa área, contudo, esbarra em incertezas. Economistas ponderam que ainda não existe definição sobre o número de pessoas que deveriam ser beneficiadas pela iniciativa. Tampouco há consenso sobre a forma de financiá-la.

Na teoria, a renda básica permanente serviria como continuação do auxílio emergencial de R$ 600 costurado pelo governo Jair Bolsonaro e o Congresso durante a pandemia. Segundo a Caixa Econômica Federal, 59 milhões de brasileiros foram considerados elegíveis para receber o suporte público. O auxílio tem validade de três meses, mas os efeitos da crise devem ser sentidos por mais tempo. Por isso, economistas consideram importante a criação de novo benefício.

- A situação fiscal já era desconfortável no país antes da pandemia. Agora, não houve jeito, tivemos de elevar os gastos, só que não há tendência de estabilização da dívida pública até 2030. Então, a renda básica deveria ser acompanhada por outras ações que busquem elevar receitas e conter despesas. A discussão ainda está incipiente - afirma o pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Entre os projetos já apresentados, está um do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). A proposta é de concessão de renda no valor de meio salário mínimo por mês, mais um quarto de salário por criança ou adolescente menor de 18 anos. Em nota, a assessoria do parlamentar informa que o benefício utilizaria "critérios similares" aos do auxílio emergencial.

Professor da Escola de Negócios da PUCRS, o economista Ely José de Mattos entende que políticas de renda mínima podem ser implementadas no Brasil. Para isso, seria preciso flexibilizar o teto de gastos, que condiciona o aumento das despesas do governo ao comportamento da inflação. Ely acrescenta que a confirmação de uma reforma tributária também seria necessária no pós-pandemia.

- A renda mínima é uma política cara, mas não impossível. Existem algumas possibilidades. A questão é se organizar, seja com emissão de dívida ou com uso de recursos que estão parados em fundos públicos - diz o professor.

- Por fim, é preciso pensar em reforma tributária de matriz progressiva, já que hoje os pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos do que ricos - emenda Ely.

Austeridade

Ao assumir o Ministério da Economia, em 2019, Paulo Guedes prometeu avanços na agenda de reformas e contenção de gastos públicos, deixada de lado durante a pandemia. Seguir com o aumento de desembolsos após o problema sanitário iria contra o ideário defendido pelo ministro em diversas ocasiões.

Apesar disso, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirmou na semana passada que o auxílio emergencial "provavelmente" será prorrogado, sob outro formato, segundo ele.

Professor da Unisinos, Marcos Lélis sublinha que, diante dos estragos da pandemia, não resta outra saída ao governo a não ser elevar despesas. Para o economista, além de programa de renda básica, o país precisaria de pacote de obras públicas em infraestrutura. Mesmo com as dificuldades fiscais, o investimento na área serviria para estimular a geração de empregos e, assim, diminuir o número de dependentes da transferência direta de recursos do governo.

- A renda básica, sozinha, não é suficiente. Também é preciso criar condições para que as pessoas consigam deixar o programa e encontrem emprego com a reativação da economia. A questão é saber quantas estariam aptas a receber o benefício - comenta Lélis.


Estado tenta viabilizar ajuda
No último dia 21, o governador Eduardo Leite afirmou que o Palácio Piratini estuda possíveis fontes de financiamento para eventual transferência de renda a famílias carentes. Ainda em estruturação, o programa estadual deve entrar em vigor a partir de julho, segundo previsão feita ontem por Leite.

Em 2019, antes da pandemia, o deputado estadual Valdeci Oliveira (PT) apresentou projeto para criação de renda básica permanente no Estado. Neste ano, em razão da covid-19, o parlamentar lançou proposta de auxílio emergencial no RS.

- É uma discussão que ganha corpo não só aqui, mas no mundo inteiro - diz Oliveira.

A Espanha lançou programa de renda básica na sexta-feira, com benefício no valor de 462 euros (quantia equivalente a R$ 2,7 mil) para a população de baixa renda, devido ao coronavírus.

Segundo o professor de comportamento organizacional e inovação Ali Fenwick, da Hult International Business School, a renda básica busca reduzir a desigualdade social.

- Propositores sugerem que não apenas os governos banquem essa renda, mas que empresas contribuam com dividendo social - disse Fenwick à colunista de ZH Marta Sfredo.