03 de Abril de 2020
  • Jornal do Comércio
  • Viver
  • P. 6
  • 68.00 cm/col

Feliz Porto Alegre!

Desculpe o atraso, querida Cidade Sorriso (vocês sabiam, queridos leitores, que Porto Alegre tem esse apelido?). Nunca é tarde para abraçar a aniversariante, abraço de longe, que estamos em tempo de guerra de vírus coroado. Pena teu aniversário cair justamente em meio a esta pandemia-pandemônica. Bom, teu níver foi dia 26 e hoje é só 3 de abril, sexta-feira. Pequeno atraso. Feliz happy Porto Alegre! Campai, longa e feliz vida para ti! Perto de Roma, Londres ou Paris, ainda és uma guria. Para mim, de certa forma, és ainda uma açoriana meio tímida, que não se solta muito nem no Carnaval. Mas és bem mais descontraída que antes, isso não se pode negar.

Os mal-humorados e críticos te chamavam de carroça, de província e outras coisas mais. Mas qual o problema em ser carroça ou província? Melhor que ser cidade destruída por guerras, abandonada pelos habitantes ou dominada por malvados de todo gênero. Ou ser metrópole sem belezas humanas ou naturais. Nossa verdejante e ondulante cidade parece San Francisco, da Califórnia. Neste aniversário, a marca da festa foi o Pacto Alegre, essa ideia feliz envolvendo prefeitura, Pucrs, Unisinos, Ufrgs e vários órgãos públicos e privados, com apoio do Badesul, Sicredi e Agibank.

Tomara que o pacto te deixe mais inovadora, moderninha, com cara de startup criada por essa gurizada esperta que anda por aí criando novidades. Chega de ficar dizendo que Porto Alegre é um lugar bom para voltar, e uns aí agora andam dizendo que Porto Alegre é um ótimo lugar para sair e agitar em São Paulo ou Nova York. Muitos quando olham a ponte do Guaíba pela janelinha do avião, especialmente se for no inverno, amarram a carranca e já descem reclamado do preço dos restaurantes, dos problemas da cidade etc. Gosto de Porto Alegre.

Nasci em Bento Gonçalves, modéstia à parte, mas com 12 anos cheguei aqui para viver num apartamento da Felipe Camarão com a família. Lá me iniciei como gut-goi e me envolvi para sempre com os patrícios. Depois morei e trabalhei décadas no Centro e, nos últimos 30 anos, moro e trabalho no Moinhos, esperando que o bairro mantenha o velho gabarito, mas com toques de futuro. Não gosto muito do clima de Porto Alegre. Tirando abril e outubro, o resto do ano é complicado e estavam certos os que lá por maio iam para o Rio ou para a Europa e voltavam lá por outubro, para ver os jacarandás e pegar a Feira do Livro.

Agora em abril é hora de serenar os ânimos e as cabeças, se aconchegar num cobertor de orelha, tomar um chá ou algo mais forte, ler um romanção de oitocentas páginas e pensar que existe equilíbrio, delicadeza e sentido nessa vida. Com essa porcaria do coronavírus tá meio brabo, este ano, mas enfurnados na quarentena podemos entrar em nossas casas e em nós mesmos de uns outros jeitos aí. Acho que o melhor dos últimos tempos para Porto foi a criação da orla. Espaço amplo, ensolarado, democrático, costeando o fazendão que é o Parque Marinha, deixa nossa cidade com cara de Rio de Janeiro ou Nova York. Aliás, vista de longe, a ponta do Gasômetro é a cara de Manhattan, quem ainda não sabe?


a propósito...

Se não for pedir muito – e sei que é pedir demais – gostaria que Porto Alegre recebesse da gente mais união, mais cuidado, mais limpeza, e que os poderes públicos pensassem em Porto Alegre como um todo, fazendo ela ser de novo a Cidade Sorriso, sem sorrisos de politicagem. Porto Alegre é feita de muitas etnias, de várias partes, de progressos e de atrasos. Tomara que esse vírus vá para o diabo que o carregue, que a economia melhore e que logo os bares, restaurantes, cinemas e teatros sigam fortes e firmes para nós, portadores dessa estética do frio e desse jeito sulino de ser. Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu. Viva Porto Alegre! Terra das mulheres mais bonitas do planeta e dos caras mais modestos e interessantes. (Jaime Cimenti)