21 de Agosto de 2019
  • GZH
  • Geral
  • 16 banner(s)

Despoluição do Dilúvio passa por soluções que vão além do saneamento básico; saiba quais

Segundo especialistas, regularização fundiária é um dos principais entraves para a melhora nas condições da água do arroio que divide a Avenida Ipiranga, em Porto Alegre

O córrego que divide uma das vias mais importantes de Porto Alegre mais lembra um grande esgoto a céu aberto: água marrom, lixo boiando e mau cheiro tornaram-se características do Arroio Dilúvio, que passou de fonte de água limpa, até a década de 1950, a uma chaga urbana em plena Avenida Ipiranga. Mas um dos cursos d'água mais famosos da Capital expõe um problema maior do que a poluição por si só. Ele denuncia a falta de planejamento urbano e social da cidade, cuja expansão deu-se de forma desordenada, castigando o corpo hídrico.

— Hoje o Dilúvio afasta as pessoas dele. Mas é reflexo da nossa sociedade. Mostra que não estamos resolvendo coisas fundamentais — avalia o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, André Luiz Lopes da Silveira.

Conforme Silveira, os problemas mais significativos estão centrados em dois eixos: saneamento básico e regularização fundiária. Isso porque, atualmente, ao menos um quarto do esgoto que ingressa no Dilúvio não passa por separação cloacal. Mas há outras fontes que sequer são mapeadas pela prefeitura, provenientes de ligações feitas em áreas irregulares, não contempladas com saneamento básico.

Outro ponto a ser considerado diz respeito a questões sociais e educacionais. Mesmo com o serviço de coleta de resíduos ampliado ao longo dos anos, há quem descarte lixo doméstico no arroio. Alguns catadores também despejam materiais que consideram sem valor nas suas margens.

— O ponto nevrálgico do Dilúvio tem sido a questão ambiental. Já foi pior. Estamos numa declinante, mas tem ainda muito esgoto e muito resíduo sendo lançado no arroio — destaca o ex-diretor do Departamento Municipal de Água e Esgostos (Dmae), Dieter Warchow.

Para Warchow, o ápice da poluição do Dilúvio ocorreu entre a década de 1990 e o começo dos anos 2000. A situação foi amenizada a partir da inauguração da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Serraria, em 2014. Principal obra do Projeto Integrado Sociambiental (Pisa), cujo investimento foi de R$ 670 milhões, em 2015, ela tratava metade de todo o esgoto cloacal da cidade. Sozinha, porém, não é capaz de enfrentar o problema multidisciplinar que transformou o arroio em valão.

Em 2012, pesquisadores da UFRGS apresentaram à prefeitura um documento que propunha ações em diferentes frentes para a despoluição do local. Mas uma crise institucional — que culminou na saída do então secretário de Meio Ambiente, Luiz Fernando Záchia — soterrou as discussões sobre o tema, que voltou à pauta neste ano. Cooperação entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e as prefeituras de Porto Alegre e Viamão, onde fica a nascente do Dilúvio, o chamado Programa de Revitalização do Arroio Dilúvio tem como objetivo propor ações para a melhoria das condições do curso d'água.

Em junho, a PUCRS iniciou um programa de monitoramento da qualidade da água no local, e há previsão de um trabalho de mapeamento dos emissores de resíduos, que poderá servir como base para a elaboração de políticas públicas de regularização fundiária e saneamento.

Um projeto que prevê a instalação de barreiras e a implantação de redes de esgoto na bacia do Arroio Moinho, um dos principais afluentes do Arroio Dilúvio, esbarrou na questão financeira. A prefeitura disse que não teria recursos para viabilizar o projeto básico, orçado em R$ 2 milhões — agora, a universidade busca recursos para financiar um projeto piloto, mais modesto. Atualmente, o Dmae realiza a implantação de redes coletoras de esgoto em sub-bacias do sistema de esgotamento sanitário Ponta da Cadeia, que devem ter impacto em bairros da Região Central e da Zona Leste.

Robinson Estrásulas / Agencia RBS

Robinson Estrásulas / Agencia RBS

Robinson Estrásulas / Agencia RBS

1 / 4

Resíduos

Enquanto agentes públicos e universidades tentam dar encaminhamentos à pauta, a degradação continua. Segundo a prefeitura, desde o final de 2017, houve dragagem em três trechos do Dilúvio — a última delas em março deste ano. Durante os trabalhos, foram retiradas mais de 23 mil toneladas de resíduos. A ecobarreira instalada perto da Avenida Praia de Belas em março de 2016 já recolheu quase 600 toneladas de lixo — em agosto, a empresa responsável pela ecobarreira adotou parte do canteiro central da Ipiranga, assumindo sua manutenção.

A PUCRS, que construiu uma nova ponte sobre o riacho, também tem se dedicado a restaurar 1,5 quilômetro do canteiro central da Avenida Ipiranga. O local recebeu paisagismo, ajardinamento, 36 postes com intervenções artísticas, totens com informações e grama bem-aparada. A ação pontual contrasta com o leito do arroio, onde basta o nível da água baixar para emergir o lixo, e também com outros pontos ao longo do Dilúvio, como o trecho junto à Rua Guilherme Alves, onde tanto a água como o gramado ostentam lixo.

Melhorias semelhantes às que ocorreram no arroio Cheonggyecheon, em Seul, devem ser discutidas no programa de revitalização — na capital sul-coreana, o corpo hídrico degradado hoje tem água tratada, pequenas cachoeiras, arquibancadas e virou atração turística. Mas, na avaliação de pesquisadores que integram o grupo, qualquer intervenção dessa natureza só se tornaria viável com o arroio despoluído. Para que se concretize, é preciso retirar o Dilúvio da margem das políticas públicas.

— Não é só questão de dinheiro. É de vontade política, planejamento e ação. Hoje não vale a pena colocar um parque ali. Mas, uma vez que o arroio esteja despoluído, seria um atrativo imenso — avalia André Silveira.

O professor do IPH estima que, com recursos e um plano de ação continuado, seriam necessários pelo menos 10 anos para despoluir o Dilúvio. O Dmae diz que o investimento necessário somente para concluir a canalização de esgoto em toda a cidade é de R$ 1,77 bilhão.

Coliformes

Iniciadas em julho, coletas de água e sedimentos que servirão para o monitoramento da qualidade da água do Dilúvio não chegaram a trazer novidades para os pesquisadores. As amostras de água indicaram alta concentração de coliformes termotolerantes (ou fecais), resultado da contribuição de esgoto cloacal. A maior concentração ocorre perto do Guaíba, para onde descem os resíduos.

Já os sedimentos coletados junto à foz mostram índices elevados de metais pesados, como zinco, níquel e mercúrio. As substâncias estão presentes em pneus e freios dos milhares de veículos que passam por uma das regiões de maior densidade demográfica de Porto Alegre. Ou seja, o sofrido arroio Dilúvio não é agredido apenas pelo esgoto que deságua nele, mas também a cada frenagem em cada sinaleira, que libera um pouco de poluição que depois é varrida sem tratamento algum para suas águas.

Ação em andamento na bacia do Arroio Dilúvio

Implantação de redes coletoras de esgoto em sub-bacias do sistema de esgotamento sanitário Ponta da Cadeia
Investimento: R$ 20,6 milhões
Extensão: 28.317 metros de canalizações
Abrangência: Praia de Belas, Menino Deus, Santa Tereza, Teresópolis, Medianeira, Glória, Cascata, Coronel Aparício Borges, Vila João Pessoa, Vila São José, Partenon, Jardim Carvalho e Bom Jesus.

Arroio Dilúvio

Conta com cerca de 18 quilômetros de extensão e tem sua nascente no Parque Natural Municipal Saint'Hilaire, em Viamão, e sua foz no Lago Guaíba.
Antigamente, o riacho desaguava na Ponta da Cadeia, ao lado da Usina do Gasômetro, e antes de chegar ali passava embaixo da Ponte de Pedra, que existe ainda hoje, perto do atual Largo dos Açorianos. Na década de 1940, começou a ser canalizado para o curso atual.
A extensão canalizada e retificada está estimada em 12 quilômetros, dos quais 10 quilômetros estão canalizados entre as pistas da Avenida Ipiranga, da Avenida Antônio de Carvalho até a foz.