02 de Junho de 2020
  • Zero Hora
  • Segundo Caderno
  • P. 1
  • 170.00 cm/col

As novelas que ninguém esquece

Mesmo com as gravações paralisadas em razão da pandemia, as novelas, patrimônio cultural do Brasil, seguem na boca do povo. Para tapar os buracos na programação. E as reprises estão dando o que falar: Fina Estampa (2011), na faixa das 21h da Globo, e Êta Mundo Bom (2016), no Vale a Pena Ver de Novo, na mesma emissora, registraram aumento na audiência desde que voltaram ao ar.


As novelas mexem com a memória afetiva do público e, durante o isolamento social, saíram do campo do saudosismo para virar opção de entretenimento - mesmo que todo mundo já saiba o final das histórias. Pensando nisso, GaúchaZH lançou um desafio nas redes sociais: qual novela marcou a sua vida? Nas cinco primeira posições, sete títulos: 1) Avenida Brasil (2012) e O Clone (2001), com 29 citações; 2) Laços de Família (2000) e A Viagem (1994), com 21; 3) O Rei do Gado (1996), com 19; 4) Roque Santeiro (1985), com 16; 5) Caminho das Índias (2009), com 15.


Um dos fenômenos da dramaturgia nacional se chama Avenida Brasil. A história escrita por João Emanuel Carneiro retratou a época de ascensão da classe C, proporcionada por um período de vigor na economia nacional. É totalmente justo que a novela ainda esteja na cabeça dos telespectadores, por refletir um momento que traz boas lembranças. Além disso, foi recentemente reprisada na TV aberta.


- A gente está em um momento de resgate. Voltar ao passado, ter memórias boas, traz um certo acolhimento, um certo conforto. E as novelas fazem muito isso. Tu te descolas um pouco dessa situação atual - analisa Paula Puhl, doutora em Comunicação e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).


O Clone pode ser revista atualmente no canal Viva, paraíso das reprises de novelas. A trama de Glória Perez é líder de audiência na TV por assinatura em seus horários de exibição. Cultura árabe, clonagem humana e dependência química deram o tom da história, que misturou tradição e modernidade para contar a história de amor de um dos casais mais lembrados da dramaturgia brasileira: Jade (Giovanna Antonelli) e Lucas (Murilo Benício).


- Impressionante o poder que as novelas têm. O impacto que causam diretamente na vida das pessoas. Essa, então, que roda pelo mundo até hoje, nem se fala. Sinto orgulho de ter feito parte desse projeto tão inovador na época - disse Giovana em entrevista recente ao site Gshow.


Um dos sucessos de O Clone foram as expressões e bordões que entraram no vocabulário dos telespectadores: arder no mármore do inferno, inshalá, cada mergulho é um flash. A novela também ficou famosa pelo figurino árabe, com suas túnicas, lenços, véus e joias, que encheram as vitrines do comércio popular na época. Houve também uma grande procura por aulas de dança do ventre.


- Essas reprises até podem fazer com que algumas modas antigas retornem agora, nunca se sabe - reflete Paula Puhl, que é professora da disciplina de Moda, Identidade e Mercado, ressaltando a relevância das novelas ao lançarem novas tendência para o público.


Espiritismo


Remake de uma novela exibida na TV Tupi nos anos 1970, A Viagem (1994) foi o primeiro folhetim que abordou o espiritismo com sucesso na TV. A autora Ivani Ribeiro usou a doutrina codificada por Allan Kardec para compor sua história e seus personagens. Livros como Nosso Lar e A Vida Continua, psicografados pelo médium brasileiro Chico Xavier, também foram a base para a trama.


A Viagem quebrou paradigmas ao falar de vida após a morte e reencarnação. Trouxe ideias reflexivas sobre fé, coragem e caridade. Além disso, abriu as portas para a temática espírita nas novelas. A partir dos anos 2000, o assunto apareceu em tramas como Alma Gêmea (2005), Além do Tempo (2015) e Espelho da Vida (2018) - também citadas pelos leitores de GaúchaZH no Instagram.


Nesse momento de incertezas e mudança de hábitos pela pandemia, é interessante notar como histórias que falam de esperança têm espaço no imaginário do público.


- Tenho a percepção de que as pessoas não estão buscando assuntos muito sérios e tristes, mas sim produtos culturais que tirem um pouco elas dessa situação de preocupação. É um escape - diz Paula.


Roque Santeiro é uma história que fala de política e corrupção no Brasil de forma satírica e gera identificação com os dias atuais. Viúva Porcina, uma das figuras mais lembradas da novela, voltou às manchetes por conta de Regina Duarte, atriz que deu vida à personagem. A artista decidiu seguir carreira na política em 2020, porém durou pouco mais de dois meses no comando da Secretaria Especial da Cultura do governo Bolsonaro.


Sem querer, a novela da vida real gerou comparações com a ficção e, apesar de ter sido exibida há 35 anos, Roque Santeiro apareceu na quarta posição entre as mais citadas pelos leitores e internautas.